Hoje se celebra, mais uma vez, o “Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho”. A data surge como lembrança de um acidente típico, a explosão de uma mina nos Estados Unidos, causando a morte de 78 trabalhadores no longínquo ano de 1969, fato extremamente chocante e digno de simbolizar a verdadeira tragédia vivenciada pelos trabalhadores de todo o mundo desde o advento da 1ª revolução industrial; o que, se houvesse mecanismos capazes de estimar, certamente os números atingiriam a casa dos bilhões.
Explosões de caldeiras, quedas de andaimes, descargas elétricas, soterramentos, esmagamentos por máquinas, quedas de objetos sobre corpos etc. são eventos altamente impactantes a qualquer pessoa minimamente sensível ao tomar conhecimento pela divulgação da mídia, ou por qualquer outra forma; mais ainda aos que têm a infelicidade de presenciar tais situações envolvendo colegas de trabalho, ou mesmo serem as próprias vítimas quando esses acidentes, embora não fatais, causem mutilações ou abalos emocionais.
A tendência é haver uma comoção geral da sociedade sempre que episódios como esses são noticiados, por mais que se possa suspeitar da hipocrisia de certos segmentos sociais, em especial dos proprietários dos meios de produção, pois a origem desses acontecimentos, na imensa maioria das vezes, está estruturalmente ligada à exploração do trabalho.
Podemos citar um dado histórico do Brasil como exemplo desse fenômeno, a origem da conhecida Portaria MTb nº 3.214, de 8 de junho de 1978, criando as primeiras Normas Regulamentadoras (NR) sobre Segurança e Saúde no Trabalho (SST), embora, como era de se esperar levando em conta a conjuntura da época, de forma impositiva e sem considerar a vivência das próprias potenciais vítimas, mas há que se reconhecer sua relevância na proteção à integridade física dos trabalhadores, tendo produzido, já nos primeiros anos de sua implantação, sensível redução das estatísticas.
A mencionada Portaria MTb, foi fruto da pressão exercida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pois, durante a ditadura militar, na primeira metade dos anos 1970, com o chamado “milagre brasileiro” houve um boom da industrialização no país, em especial na área da construção civil, sendo registrados algo próximo a 2 milhões de acidentes de trabalho/ano. Embora não haja dados estatísticos oficiais sobre as mortes resultantes desses acidentes, sabe-se que 40% dos trabalhadores formais sofreram lesões por acidente de trabalho naquele período.
No entanto, o flagelo não se limita aos chamados acidentes típicos, mas existe outra classe de agravos relacionados ao trabalho, praticamente “invisíveis”, mas cuja importância se equipara, inclusive reconhecido na legislação brasileira e de outros países, as denominadas doenças do trabalho, conforme se pode observar no Art. 20 da Lei Previdenciária, 8.213/91, a seguir reproduzido na íntegra:
“Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.”
Ambientes de trabalho aparentemente inofensivos, apresentam de modo subjacente riscos de inúmeras enfermidades frequentemente associadas a formas de organização do trabalho, a adoção de determinados tipos de equipamentos, estratégias de gestão que não levam em conta os limites do esforço humano em nome do aumento desmedido da produtividade, entre outros.
A propósito, recentemente repercutiu na imprensa a notícia divulgada pelo INSS sobre o aumento expressivo, em 2024, dos afastamentos do trabalho por motivo do adoecimento mental. As licenças atingiram índice de aumento, comparativamente ao ano anterior, da ordem de 68%, com 472.328 casos.
Segundo especialistas consultados pelo órgão, duas das causas prováveis são, ainda a pandemia e a crise no mercado de trabalho, porém o crescimento desse tipo de adoecimento vem sendo identificado por pesquisadores desde os anos 1990, período em que o mundo do trabalho vem sendo afetado por diversos outros fatores, entre eles, mudanças nas próprias características das atividades e da organização do trabalho em grande parte dos setores econômicos, como a introdução das novas tecnologias; substituição de empregados contratados diretamente por terceirizados, gerando precarização das condições de trabalho; novas estratégias de gestão envolvendo pressão por aumento da produção e assédio moral, entre outros.
Por outro lado, ainda que sejam louváveis as iniciativas de órgãos oficiais, organizações sociais e o esforço negocial de sindicatos verdadeiramente comprometidos com seus representados, para evitar tais ocorrências, com a eliminação ou mitigação dos fatores risco nos ambientes de trabalho, o “28 de Abril” tem outra conotação, é um dia consagrado à conscientização do trabalhador para que entenda seu papel no processo produtivo e que trabalhar não pode ser sinônimo de colocar em risco a própria saúde, a integridade física e, em última análise, a vida.
A lógica da busca por produtividade e aumento do lucro a qualquer custo, não pode ser naturalizada, pois os milhões de acidentes e doenças do trabalho são algumas de suas consequências diretas e de forma inegável representam um dos aspectos mais cruéis da luta de classes; e sua superação somente será possível a partir da consciência e organização dos próprios trabalhadores. Esse tem que ser o real sentido do “Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho”.
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