Há um ano, entidades sindicais em todo o mundo dedicavam o 28 de abril – “Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho” – para falar da Covid-19 e de tantos trabalhadores que, no exercício de suas funções, foram vítimas, na quase certeza de que 2021 seria diferente, avaliando-se que os governos de todos os países, em um esforço conjunto, já teriam debelado a pandemia.
Infelizmente, estavam errados. A crise não só não foi superada como recrudesce na maioria das nações. O Brasil, vergonhosamente, é o pior exemplo, somos campeões mundiais de casos, de mortes e de negacionismo; e todos sabemos quem são os responsáveis. Isso mantém o problema da contaminação pelo coronavírus na ordem do dia ainda neste ano.
Embora a tragédia não seja exclusividade da classe trabalhadora, pois as vítimas se encontram em todas as camadas da sociedade, a situação de quem depende do salário para sobreviver e manter sua família é bastante peculiar, em especial, no nosso país, com suas desigualdades sociais tão profundas.
Das atitudes criminosas de Bolsonaro e seus ministros, com destaque para Pazuello e Guedes, pelo menos duas delas atingem exclusivamente os trabalhadores: o insuficiente auxílio emergencial e a ampliada definição de “serviços essenciais”, obrigando parcela significativa daqueles que conseguiram manter seus empregos a correr o risco de contrair o vírus – e contaminar seus familiares – ao se deslocar em conduções superlotadas e nas próprias dependências das empresas que, na maioria das vezes, não oferecem condições ideais de proteção. Soma-se a isso, a recusa sistemática, por parte dos empregadores, em reconhecer a Covid-19 como doença do trabalho.
A situação dos desempregados e informais, que sequer aparecem nas estatísticas de acidentes e doenças do trabalho, é ainda mais dramática. No desespero na busca por alguma forma de sobrevivência para si e suas famílias, a proteção contra o vírus é o último item da lista de preocupações.
Estatísticas de acidentes de trabalho no mundo só crescem
Mas sobre essa data simbólica, há muito mais a dizer. A precarização do trabalho, elemento central da ideologia neoliberal, é um fenômeno muito mais complexo, embora incontestável o fato de a crise sanitária aprofundá-lo dramaticamente. A crise, ainda que perdure, em algum momento irá passar, mas nem por isso os trabalhadores terão boas condições de saúde em seus lugares de trabalho.
No mundo todo, historicamente, a cada ano, milhões de trabalhadores sofrem acidentes ao realizar suas atividades laborais. No Brasil, em 2019, de acordo com os últimos dados divulgados pela área de Previdência do governo federal, ocorreram 582.507 acidentes de trabalho. Desses, 12.624 resultaram em invalidez permanente e 2.184 foram fatais. Comparativamente a 2018, houve redução nominal no total de acidentes e dos que provocaram incapacidade permanente, 607.489 e 19.686, respectivamente. Já as ocorrências de morte sofreram ligeiro aumento; em 2018 foram 2.132. No entanto, é preciso considerar que no mesmo período ocorreu redução drástica de trabalhadores regularmente registrados, os únicos que sensibilizam essas estatísticas, de onde se conclui ter havido proporcionalmente expressivo crescimento em todos os itens.
Dados de 2018 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que, naquele ano, aconteceram 2,3 milhões de mortes no trabalho na soma de todos os países. Ou 6,3 mil acidentes fatais por dia. Ainda de acordo com os cálculos do organismo internacional, em média, 313 milhões de trabalhadores sofrem lesões não fatais ao realizarem suas atividades profissionais.
A origem e o simbolismo da data
No dia 28 de abril de 1969, 78 trabalhadores em uma mina de carvão, no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, foram mortos por uma explosão acidental. Alguns anos depois, os sindicatos de trabalhadores do Canadá adotaram a data para lembrar as vítimas de acidentes de trabalho e, após isso, o movimento sindical em muitos outros países imitou o exemplo, internacionalizando a data.
Em 2003, a OIT adotou a mesma data como “Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho”. Embora esse órgão multilateral seja responsável por medidas que em muito contribuem para o avanço da proteção dos trabalhadores, com suas importantes convenções e resoluções, essa não foi uma boa iniciativa, pois, ao estabelecer essa nova designação, acaba por desvirtuar o sentido original da efeméride.
Como se sabe, a OIT adota o tripartismo como política. Esse princípio considera que os conflitos entre capital e trabalho devem ter o Estado como mediador, pacificando as relações e criando normas consensuais a partir da escuta de ambos os polos. O movimento sindical, contudo, não pode se restringir a isso, uma vez que o confronto deve ser usado como forma de fortalecer a posição dos trabalhadores nas mesas de negociação.
Essa data, portanto, não pode ser encarada como uma grande “confraternização” entre patrões e empregados, como se suas visões e seus interesses não fossem antagônicos. Essa falsa harmonia só interessa aos donos do capital que, com isso, seguem implementando sua forma de organização do trabalho e subjugando seus empregados.
Muito ao contrário, o 28 de abril serve para homenagear as vítimas de mais esse flagelo mundial provocado pelo capitalismo, como reflexão de que a exploração exercida pelos patrões é a grande responsável por ceifar tantas vidas e soterrar as perspectivas de futuro de tantas famílias e, finalmente, mostrar aos trabalhadores que somente o enfrentamento poderá reverter esse quadro trágico.
Reformas neoliberais pioram as condições de saúde do trabalhador
As reformas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Previdência ocorridas nos desgovernos Temer e Bolsonaro, respectivamente, além de não produzirem os efeitos alardeados por seus mentores – de gerar empregos e recuperar a economia, precarizaram ainda mais as condições de trabalho e, certamente, são responsáveis pela sensível piora das condições laborais e, consequentemente, das doenças e acidentes de trabalho, inclusive, da Covid-19.
A luta secular dos trabalhadores que obtiveram grandes conquistas em seus momentos de mobilização, cujo marco emblemático foi a greve geral de 1917, em curtíssimo espaço de tempo, mediante canetadas dos três poderes do Estado, sofreram retrocessos inestimáveis. Atualmente, a proposta de reforma administrativa em curso, para além dos prejuízos que gerará à toda a população mais vulnerável, coloca-se como mais um passo na retirada de direitos da classe trabalhadora, com graves reflexos na saúde do trabalhador.