Em dezembro de 2019 uma notícia assustadora começava a surgir nas páginas dos jornais de todo mundo, ainda que inicialmente tímida. De acordo com as previsões das autoridades médicas e da própria Organização Mundial da Saúde (OMS) de que, embora tivessem sido identificados alguns poucos casos fatais em Huwan na China, tratava-se de um vírus com grande capacidade de contaminação, por meio do contato físico ou proximidade entre as pessoas, por isso seu potencial de rápida expansão, podendo se transformar em uma pandemia comparável à de gripe espanhola, ocorrida há exatamente um século, ou mesmo a da peste negra, que devastou a Europa no final da Idade Média. As primeiras investigações já indicavam tratar-se de uma nova cepa altamente agressiva do vírus corona.
Pouco tempo depois, passaram a circular novas informações, não só sobre o espalhamento do vírus na região em que foi detectado pela primeira vez, como, em razão da grande atividade comercial entre as duas nações, de que ele já atingia intensamente a Itália, em especial cidades da região norte. As manchetes nos meios de comunicação se tornavam cada vez mais aterrorizantes e as mortes já se contavam às dezenas de milhares. As autoridades, tampouco a estrutura sanitária, não se mostravam capazes de responder de forma eficaz à emergência. Rapidamente a situação se agravava e já nos primeiros dias de 2020 se tornava crítica em toda a Europa.
Seguindo a orientação da agência mundial, OMS, a maioria dos países logo passou a adotar o isolamento social e quando não fosse possível, o uso obrigatório de máscaras nos locais públicos. Os governos mais rigorosos no cumprimento desses protocolos foram mais bem sucedidos na preservação das vidas de seus compatriotas, mas lamentavelmente, dos mais de 680 milhões de casos confirmados, 6,8 milhões de mortes foram registradas oficialmente em todo o mundo.
No Brasil, o Carnaval
No Brasil, ouvia-se falar do risco de a crise sanitária nos atingir em poucos dias, mas a população se mantinha cética e displicente, exceto alguns mais previdentes, que já começavam a se proteger usando máscaras em locais públicos. Aproximava-se o Carnaval e, como em todos os anos, muita gente se preparava para participar das atividades tradicionais, principalmente dos blocos e outros eventos de rua.
Nada se comentou na imprensa, mas até que ponto os governantes nas três esferas da administração pública – prefeituras, governos de estados e o, de má lembrança, desgoverno Bolsonaro – se omitiram durante os dias da “folia”, dias esses, como se sabe, com início muito anterior e término bem posterior aos feriados oficiais? Cancelar o Carnaval? Impossível, claro, mas não se viu ao menos uma postura minimamente prevencionista em relação a uma ameaça tão iminente. O despresidente de plantão, aliás, logo se revelou o maior negacionista e combatia as orientações das autoridades sanitárias, além de criticar as ações da OMS. Falava contra o isolamento social, desacreditava a utilidade das máscaras e outras proteções e difundia fake news sobre as vacinas desde o início das pesquisas e de suas produções.
Menos de uma semana após o encerramento dos festejos carnavalescos, no dia 11 de março, a OMS declarou que a escalada mundial da contaminação pelo novo coronavírus tratava-se, na verdade, de uma pandemia; embora, em 30 de janeiro, já houvesse emitido o “alerta máximo” do surto como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII).
Primeiros casos no país
A notícia de uma possivel primeira morte no Brasil, veio logo em seguida. No dia 17/03, uma moradora de uma região afastada do Rio de Janeiro, idosa, de identidade não revelada a pedido da família, e portadora de comorbidades como obesidade e diabetes, empregada doméstica em um apartamento no bairro do Leblon, foi infectada e faleceu em prazo inferior a uma semana.
O vírus foi transmitido pela patroa, recém-chegada de viagem à Itália, na sequência diagnosticada com a covid 19. O fato prenunciava a tragédia, que atingiria a todas as faixas econômicas da população, mas, como todos os problemas sociais, recairia mais intensamente sobre os mais pobres.
Rapidamente a crise escalou e a população acompanhava estarrecida o crescimento em proporção geométrica dos números de infectados e mortos. Inicialmente um ou dois casos em cada região do país, alguns dias depois já eram dezenas, em seguida centenas e logo as ocorrências fatais atingiam milhares diariamente, a ponto de, em pouco tempo, praticamente cada cidadão brasileiro ter perdido pelo menos um parente, ou amigo, ou conhecer alguma vítima fatal da doença.
“E daí? Não sou coveiro!”
Enquanto o flagelo se alastrava, Jair Bolsonaro, com sua costumeira postura de desprezo e falta de empatia com o sofrimento da população, em especial dos mais desvalidos, não economizava em suas demonstrações de negacionismo e insensibilidade. Quase diariamente, em entrevistas, eventos e postagens nas redes sociais, dava declarações polêmicas e desrespeitosa, para se dizer o mínimo.
Suas lives semanais eram um verdadeiro show de agressividade e desrespeito com os cidadãos, desde frases absurdas como “e daí? Não sou coveiro”, “um dia todo mundo vai morrer, mesmo”, ou ainda, “vamos parar de mimimi”, chegando ao cúmulo de imitar uma pessoa agonizando com falta de ar.
Mas pior: seus pronunciamentos eram puro reflexo de sua política. Negando-se a seguir o exemplo da grande maioria dos chefes de estado mundiais, alguns, inclusive, da extrema direita, se recusava a adotar nacionalmente a orientação de isolamento social e defendia a abertura indiscriminada dos estabelecimentos comerciais, escolas, igrejas etc. Isso obrigou o Supremo Tribunal Federal (STF) a definir que os governadores tinham autonomia para adoção das políticas de prevenção em suas respectivas jurisdições.
Quando as vacinas passaram a ser produzidas, diga-se, em tempo recorde, por inúmeros laboratórios em vários países, inclusive no Brasil, Bolsonaro passou a divulgar fake news sobre elas, afirmando que matavam até mais do que o próprio vírus, causavam AIDS e as pessoas, ao tomá-las, se transformariam em jacarés (sic). Sobre a chinesa, a Coronavac, “alertou” para não tomarem, pois seria implantado um chip nas pessoas para que os “comunistas” pudessem passar a controlar o cérebro delas.
Ao mesmo tempo recomendava o uso de medicamentos de ineficácia cientificamente comprovada como a cloroquina e azitromicina. A propósito, entre os inúmeros crimes de Bolsonaro descobertos pelas investigações da CPI da covid, no Senado Federal, houve a tentativa de compra superfaturada da vacina indiana, Covaxin.
O papel do SUS e os heróis da saúde
Em todo mundo, os profissionais de saúde tiveram papel determinante e mesmo heroico, no combate à pandemia, pois ao atender as pessoas que aos milhares acorriam às unidades hospitalares, o faziam sem as condições de trabalho ideais, pois nenhuma delas estava preparada para tamanha emergência, por mais bem equipada que fosse.
Não foram poucos os que, praticamente, saíram de suas casas e passaram a morar nos hospitais e clínicas, trabalhando ininterruptamente, colocando a própria vida em risco. Muitos, inclusive, se contaminaram e outros tantos, acabaram morrendo.
Destaque, mais uma vez para médicos cubanos que se dispuseram a auxiliar em nações pelo mundo, como Venezuela, Nicarágua, Suriname, Jamaica, Haiti, Itália, Espanha, entre outras. Essas ações foram reconhecidas pela organização francesa Cuba Linda e pelo Comitê França-Cuba, lançando campanha para que às brigadas médicas cubanas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Situações de Desastres e Graves Epidemia Henry Reeve, recebessem o prêmio Nobel da Paz no ano de 2020, o que naturalmente acabou não ocorrendo.
No Brasil, em razão da falta de apoio por parte do ministério da Saúde, comandado por pessoas incompetentes e ao mesmo tempo comprometidas com as ideias estapafúrdias de quem as indicou, os médicos, enfermeiros e demais profissionais exerceram suas atividades em péssimas condições e também de maneira heroica, trabalhando exaustivamente para socorrerem as multidões que chegavam aos hospitais todos os dias. E, à semelhança de outras nações, muitos se contaminaram e vários morreram.
Ao mesmo tempo, a importância do Sistema Único de Saúde ficou, mais uma vez, demonstrada de forma inequívoca, reafirmando sua condição de uma das principais políticas públicas, em que pese estar em plena vigência o chamado teto de gastos contido na Emenda Constitucional (EC) 95, aprovada durante o governo Temer e mantida no do, atualmente, ex-presidente inelegível. Esse dispositivo, retirou quase R$ 40 bilhões somente do SUS. Em contraste, muitos hospitais particulares, entre eles alguns dos mais bem equipados e luxuosos do país, negavam-se a atender pessoas comuns, alegando lotação de seus leitos, mas, na verdade, estavam reservando uma parcela deles para seus clientes “VIP”.
Heróis também na Caixa
A cultura dos empregados da Caixa, por mais que sua administração maior, em muitos momentos, tente incutir uma visão mercantilista de banco, como se sua missão fosse disputar cada migalha do mercado financeiro com os grandes conglomerados, esquecendo seu papel de empresa pública; sempre incluiu a consciência da finalidade social da empresa, assim, sempre demonstraram solidariedade com a população, em especial a parcela mais vulnerável, nos períodos de flagelo, como em casos de enchentes e outros fenômenos naturais, por isso não podia ser diferente durante a pandemia. Mas, dessa vez, ultrapassando o limite da mera empatia, a atitude dos trabalhadores, arriscando a própria vida, também pode ser definida, como heroica.
Jair Bolsonaro, depois de muito relutar, finalmente foi forçado a aceitar o auxílio emergencial de R$ 600,00 – sua proposta era de R$ 200,00 -, designando a rede bancária para fazer o pagamento à população de baixa renda ou desempregada. No entanto todos os demais bancos se recusaram a cumprir a determinação, restando à Caixa a tarefa de atender as quase 40 milhões de pessoas apenas no ano de 2021.
À época, a empresa era presidida por Pedro Guimarães, demitido em meados de 2022 por ter praticado assédio sexual e moral contra várias empregadas e empregados. Sua administração caótica, não teve competência para estruturar as unidades de atendimento de forma adequada, além da tradicional insuficiência no quadro funcional, submetendo os empregados, obrigados a permanecer no atendimento presencial em sistema de rodízio, a precárias condições de proteção contra a contaminação.
Periodicamente era expedido, pela área de pessoal, um novo protocolo de medidas de precaução, mas a falta de organização impedia sua implantação de forma satisfatória. Assim, em muitas agências, o atendimento era feito sem a totalidade dos equipamentos necessários; e, não raro em espaços acanhados e mal ventilados, lotados de pessoas ansiosas para conseguir o pagamento; os trabalhadores, muitas vezes eram obrigados a atender sem máscara ou álcool gel, a não ser que trouxessem de casa.
Em meio a essa desestruturação, muitos foram contaminados e, lamentavelmente, muitos tiveram sintomas graves e, pior, houve vários casos fatais de colegas e até de familiares contaminados por eles. Esses números, no entanto, não foram divulgados pela direção da empresa, alegando sigilo de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), nº 13.709/2018; argumento falso, pois esta lei somente se aplica a informações pessoais, e não a dados estatísticos. As entidades ligadas à Contraf e a própria Fenae, nada fizeram para obrigá-la a fornecer tais dados.
Mais grave, a Caixa que costumeiramente se recusa a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) em praticamente todos os casos de adoecimento de seus trabalhadores sob sua responsabilidade por não primar por condições seguras e eliminação de fatores de risco em seus ambientes, no caso das contaminações por covid 19, se negou sistematicamente a fazê-lo, sob o argumento falacioso de que adotava todas as medidas de segurança preconizadas pelas autoridades sanitárias.
Passados 5 anos, corona vírus ainda preocupa
Em abril de 2022, apesar da OMS somente ter orientado a suspensão da Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional somente em 05 de maio de 2023, foi decretado no Brasil, o fim da pandemia em razão da covid 19, época em que o pior Ministro da Saúde de todos os tempos, o “especialista” em logística, General Pazzuelo já havia sido substituído pelo segundo pior, Marcelo Queiroga.
Apesar de todas as trapalhadas e de muitos casos de corrupção ocorridos no período em que estiveram à frente do Ministério, ambos figurando no relatório final da CPI do Senado Federal, tendo como consequência o trágico resultado de 700 mil mortes, fazendo com que o Brasil tenha sido o segundo país, em todo o mundo, em número de mortes proporcionalmente à população, ficando apenas atrás dos Estados Unidos, o país conseguiu superar a crise graças à dedicação e abnegação dos profissionais de saúde, destacadamente os trabalhadores do SUS, bem como a eficácia do sistema público de saúde na vacinação, atingindo 85% das pessoas em cobertura vacinal, índice que, certamente, teria sido ainda maior, não fosse o negacionismo e as mentiras de muitos, liderados pelo próprio Bolsonaro.
No entanto, em que pese a superação da crise sanitária, muitas dúvidas ainda persistem em relação a possíveis sequelas mais duradouras e até definitivas, principalmente entre as pessoas que apresentaram os quadros mais críticos, não só no Brasil, como em todos os países.
Ao mesmo tempo, a experiência traumática vivida por todos, até hoje provoca uma certa insegurança sobre o eventual aparecimento de uma nova cepa do corona vírus, ainda mais ofensiva comparativamente às surgidas durante a crise sanitária, ou mesmo algum outro tipo de doença contagiosa capaz de produzir um efeito tão ou mais devastador.
Contudo, no Brasil, apesar de muitos ainda defenderem a extinção do SUS, no interesse de transformar a saúde pública em mercadoria entregando-a a planos privados, ficou demonstrada a importância de um sistema público como um instrumento essencial na resposta à pandemia, reforçando a importância de não apenas mantê-lo, como fortalecê-lo para o enfrentamento de eventuais crises futuras e, mais do que isso, para a constante promoção da saúde de toda a população, conforme definida no Art. 196 da Constituição Federal como “direito de todos e dever do Estado”.
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