Previdência e Saúde

7 de abril – Dia Mundial da Saúde SUS: uma conquista revolucionária

Fonte: Portal da transparência Observações: 1) valores correspondentes exclusivamente à esfera federal; 2) os valores da tabela referem-se ao efetivamente executado, sendo que o orçado foi R$ 187,51 bilhões.

O 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, é uma excelente data para rememorarmos a história do Sistema Único de Saúde – SUS, em especial, neste ano em que a pandemia de covid-19 recrudesce.
A ideia de um sistema de saúde sustentado pelo Estado e ao qual toda pessoa presente no território nacional, brasileiro ou estrangeiro, naturalizado ou não, tivesse direito de forma universal, integral e equânime, surgiu do agrupamento de diversos setores sociais, como universidades, movimento sindical, movimento estudantil e muitos outros segmentos que, inspirados na reforma sanitária italiana e em experiências bem sucedidas na América Latina, construíram-no, passo a passo, até torná-lo realidade com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Mas o mais admirável dessa conquista histórica do povo brasileiro é que o movimento sanitarista, que deu origem a ela, iniciou-se nos finais da década de 1960, início da de 1970, justamente o período de maior repressão e autoritarismo da ditadura civil-militar instaurada em 1964, sendo que a base ideológica que orientou o movimento foi o pensamento médico-social, também chamado de abordagem marxista da saúde e teoria social da medicina. De acordo com Sérgio Arouca, médico sanitarista e político filiado ao Partido Comunista Brasileiro – PCB e um dos principais líderes do movimento, ele “nasceu dentro da perspectiva da luta contra a ditadura”.
A proposta de um novo sistema para promover a saúde como um conceito amplo, culminando na melhoria das condições gerais de vida da população, começa a tomar forma a partir de 1975, com o lançamento de duas teses, uma delas do próprio Sérgio Arouca, cujo título é “O Dilema Preventivista” e a outra intitulada “Medicina e Sociedade”, de autoria de Cecília Donnangelo, professora, pesquisadora e intelectual de grande importância para a Saúde Coletiva no Brasil.
Em 1986, ocorreu a 8ª Conferência Nacional de Saúde com o tema “Saúde e Democracia”. Essa edição da conferência foi um marco na história da saúde pública no Brasil, pois, pela primeira vez, houve a efetiva participação da sociedade. Nas anteriores, as delegações eram compostas somente por autoridades públicas, deputados, senadores, intelectuais e especialistas do tema. Foram mais de quatro mil pessoas ligadas a entidades da sociedade civil organizadas em todo o País, eleitas em conferências regionais. De lá para cá, o modelo foi mantido e todas as conferências seguintes, que ocorrem de quatro em quatro anos, seguiram o mesmo tipo de organização.
Porém, o grande destaque do evento foi a aprovação do relatório final estabelecendo as bases do que viria a ser o Sistema Único de Saúde, resgatando o acúmulo das discussões ocorridas durante os anos 1970, que propunha uma profunda reforma sanitária. As resoluções foram transformadas em emenda popular, com mais de 50 mil assinaturas e apresentada à Assembleia Nacional Constituinte, sendo incorporada ao texto final da Carta Magna de 1988, em cujo Artigo 196 estabelece a saúde como direito do cidadão e dever do Estado.
As principais resoluções foram: 1) a criação de um sistema único de saúde, desvinculado da previdência e coordenado, em nível federal, por um único ministério; 2) a integralização das ações, de regionalização e hierarquização das unidades prestadoras de serviço e de fortalecimento do município; 3) a necessidade de participação popular, por meio de entidades representativas, na formulação da política, no planejamento, na gestão e na avaliação do sistema; 4) a definição da saúde como uma resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, lazer, liberdade, acesso à posse de terra e a serviços de saúde; 5) o dever do Estado de garantir condições dignas de vida e de acesso universal à saúde e; 6) a necessidade de integração da política de saúde às demais políticas econômicas e sociais. Discutiu, ainda, o papel do setor privado – que foi convidado, mas se recusou a participar – subordinado às normas do SUS, tornando o sistema exclusivamente público.
Um dos problemas centrais do modelo de saúde praticado no Brasil anteriormente ao SUS era o fato de grande parte da população não ter acesso à saúde como direito. A partir dos anos 1960, começaram a surgir as operadoras privadas de saúde e, em 1967, o governo militar incorporou todos os institutos de aposentadorias e pensões (IAPs) existentes, criando o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), centralizando os recursos da Previdência e passando a ser responsável pelos pagamentos das aposentadorias e pensões e outros benefícios aos trabalhadores urbanos, incluída a assistência à saúde.
Em meados dos anos 1970, houve uma reestruturação no sistema, sendo criado o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência (INAMPS) para se encarregar da assistência à saúde, ficando o INPS apenas com as atribuições de pagar aposentadorias, pensões e outros benefícios previdenciários, mas isso em nada alterou o princípio da saúde pública, pois o novo órgão continuava vinculado à Previdência e somente tinha direito o trabalhador da cidade que possuísse registro em carteira, sendo o fundo custeado por contribuição obrigatória do próprio trabalhador e do empregador, assim como funciona até hoje o INSS. Para os trabalhadores rurais, havia o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (ProRural), criado em 1971, mas seus recursos eram proporcionalmente muito inferiores aos do INSS e os benefícios muito limitados e os serviços não eram estendidos aos dependentes.
Já as pessoas que não tinham um trabalho formal, por não contribuírem com o INSS, ficavam excluídas da cobertura. Os que tinham condições pagavam planos de saúde privados e os demais dependiam da filantropia como as Santas Casas ou das estruturas de saúde autônomas dos municípios onde residiam, quando existiam esses serviços.
Após a promulgação da CF, em 1990, foi aprovada a Lei 8.080 para regulamentar os artigos de 196 a 200 da Carta, criando, na prática, o SUS. Do mesmo ano, a Lei 8.142 definiu a forma de organização das conferências e instituiu o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e os conselhos estaduais e municipais, instâncias de controle social, órgãos colegiados compostos por representantes de governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, cujo papel é atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões são homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada uma das esferas – União, Estados e municípios.
Durante seus 30 anos de existência, recém-completados, o sistema tem demonstrado sua competência na execução das atribuições definidas em Lei, que abrangem desde o atendimento primário até a colaboração na proteção do meio ambiente, incluído o do trabalho, passando pela vigilância sanitária e epidemiológica, o controle da qualidade da água, a inspeção de alimentos e o controle de seu teor nutricional, a participação no desenvolvimento científico e tecnológico na área de saúde, a participação nas ações de saneamento básico e a fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e a participação na produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos, entre outras. Atualmente, a parcela da população brasileira que depende exclusivamente do SUS está próxima a 80%.
Apesar do papel estratégico na política social que sempre representou e dos avanços que conquistou, o SUS sempre foi muito menosprezado pela maioria dos governos, que nunca destinaram a ele os recursos suficientes para seu pleno funcionamento e, apesar de ser reconhecido mundialmente como um dos sistemas de saúde mais avançados, inclusive, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sempre foi atacado pela imprensa corporativa e pela elite nacional – que defendem os interesses das operadoras privadas. Um dos motivos de ter resistido a esses ataques é, justamente, a atuação dos conselhos, evidenciando a importância do controle social para o serviço público.
A Emenda Constitucional (EC) 29, de 2000, estabeleceu que os Estados devem destinar, no mínimo, 12% de suas receitas para o custeio do SUS e os municípios, no mínimo, 15%. Já a participação da União foi definida como o valor aplicado em 1999, corrigido em 5% e a cada ano reajustado, de acordo com a variação do PIB, até que fosse aprovada lei para regulamentá-la definitivamente.

Fonte: Portal da transparência
Observações: 1) valores correspondentes exclusivamente à esfera federal;
2) os valores da tabela referem-se ao efetivamente executado, sendo que
o orçado foi R$ 187,51 bilhões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em 2012, finalmente, foi sancionada a Lei Complementar nº 141, que ratificou os porcentuais definidos na EC 29. Atualmente, o montante destinado, somando-se os recursos das três esferas, é da ordem de R$ 300 bilhões, porém, de acordo com a opinião de especialistas, seria necessário o dobro desse valor para que o SUS atingisse seu nível ideal em termos de qualidade dos serviços. Os movimentos sociais defendem que a participação financeira da esfera federal seja correspondente a 10% das receitas brutas.
Na contramão, durante o período em que Temer ocupou, de maneira ilegítima, o Palácio do Planalto, foi aprovada pelo Congresso Nacional a EC 95, em dezembro de 2017, a emenda do teto de gastos conhecida como a “PEC da morte”, impondo a limitação dos gastos do governo com o congelamento dos recursos por 20 anos, sendo aplicado apenas o índice da inflação. Isso, evidentemente, afetou todos os setores sociais, pois, na verdade, representa a redução per capita dos recursos, uma vez que, de acordo com o Banco Mundial, a taxa anual de crescimento da população brasileira é em torno de 0,8%, aproximadamente 1,6 milhão de pessoas em números absolutos.
Na área da saúde há um agravante, pois a demanda por serviços de assistência tem aumentado significativamente em razão da elevação do índice de desemprego e da queda da renda dos trabalhadores. Calcula-se que algo como 4 milhões de pessoas deixaram de pagar planos de saúde nos últimos cinco anos. Esse contingente passou a depender exclusivamente do SUS nas subfunções da atenção básica e da assistência hospitalar e ambulatorial. O resultado dessa medida catastrófica começou a ser sentido rapidamente com o reaparecimento de doenças infecciosas, cujos índices de incidência eram próximos de zero ou mesmo consideradas extintas, como febre amarela, sarampo, coqueluche, meningite e tuberculose.
Não bastasse todo o desmonte já sofrido até aqui e o retrocesso que causou, o atual ministro da economia, Paulo Guedes, em diversas oportunidades, tem ameaçado a população de apresentar Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com o objetivo de promover a desvinculação das receitas da União, acabando com as destinações obrigatórias para as áreas sociais e de desenvolvimento. A primeira vez que Guedes se referiu a isso publicamente foi ainda em março de 2019, primeiro ano do desgoverno Bolsonaro. Podemos imaginar como estaria a situação da pandemia de covid-19 caso a proposta tivesse sido apresentada e aprovada.
Apesar de todos esses ataques e da obsessão do atual desgoverno e de seu ministro no atendimento das pretensões da grande burguesia nacional com o desmonte do Estado, o SUS continua exercendo seu papel e sendo de fundamental importância na área social e, em especial, desde o ano passado, no combate à pandemia. Não fosse ele, certamente o quadro terrível que o Brasil enfrenta, por responsabilidade de Bolsonaro, seria muito mais trágico.
A urgência do enfrentamento da crise sanitária exigiu do sistema a construção dos hospitais de campanha, o treinamento dos profissionais, a expansão dos leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs), a compra de insumos, tudo isso feito com grande agilidade. Além de estar presente em todo território nacional, o SUS é também responsável direto pela produção das vacinas no Instituto Butantã e na Fiocruz e possui grande experiência adquirida em campanhas de vacinação no combate de outras doenças, com grande êxito.
Por tudo isso, a defesa do Sistema Único de Saúde deve ser papel de todo cidadão e inclui a luta pela revogação da EC 95. Mas isso ainda não é suficiente. É preciso discutir a necessidade de ampliar, ainda mais, os recursos que são destinados a ele, pois somente assim será possível a concretização plena do sonho iniciado nos anos 1970 por pessoas que, enfrentando a repressão da ditadura militar, tiveram a coragem e a visão de futuro para propor o maior sistema de saúde coletiva do mundo.

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2 Comentários

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