Movimento

A importância da Democracia Operária na construção de um Movimento Forte

Certa vez, dois dirigentes sindicais conversando sobre Democracia:

 Eu tenho um cara da oposição no meu sindicato que eu dou todo espaço para ele defender as posições dele, mas ele fala cada vez mais contra mim, dizendo que não tem democracia no sindicato. O que eu faço?

O outro responde: dê mais liberdades democráticas para ele!

“…liberdade é sempre e fundamentalmente a liberdade de quem discorda de nós”.

Rosa De Luxemburgo

A classe trabalhadora se organiza desde o princípio da sociedade capitalista. O novo modelo de produção, com a propriedade privada desses, gerou uma classe que, vinda do campo para a cidade, não tinha como sobreviver se não fosse pela venda da sua força de trabalho.

A exploração dos patrões sobre os trabalhadores era desumana e não envolvia somente os homens, mas, também, mulheres e crianças.

Sem leis que os protegessem, não tinham férias, fins de semana com descanso remunerado e limite de jornada – era normal trabalhar de 12 a 16 horas por dia. Mas o que realmente era mais cruel é que, ao envelhecer, não tinham aposentadoria.

O trabalhador que não tivesse mais forças para produzir era despedido sem direito à indenização e caso não tivesse filhos ou parentes que o ajudasse morreria de fome na sarjeta como um mendigo.

Como não há exploração que siga, à cabo, sem que os explorados reajam, começaram a acontecer movimentos de luta dos operários. Um caminho que levou rapidamente à formação de associações e depois, de sindicatos.

Quanto mais cresciam as lutas, mais cresciam os sindicatos e vice-versa. Eram movimentos com intensa participação de toda a classe.

Mas como a classe sempre foi bastante heterogênia socialmente (racial, sexual, religião, cultural etc.) e era preciso uma forma de unir fortemente o conjunto dos trabalhadores, o método da Democracia Operária foi se constituindo.

Cada trabalhador(a) tinha o direito de falar sua opinião. Depois era debatida por todos e votada uma posição. A decisão tomada pela maioria era acatada por todos!

As diferenças políticas

Em função das muitas diferenças da classe, também surgiram diferenças nas políticas para o movimento. O surgimento de Marx e Engels e suas ideias comunistas obteve enfrentamentos muito fortes com os anarquistas e economicistas.

A fundação da 1ª Internacional dos Trabalhadores, na metade do século 19, que foi um passo gigante da classe em sua organização, logo teve um colapso por conta das profundas diferenças políticas.

Logo após a morte de Marx, em meados do século 19, Engels e alguns dirigentes operários construíram a 2ª Internacional, que sofreu uma enorme debacle após a 1ª Guerra Mundial e, principalmente, com a Revolução Russa. Mas ela ainda existe até os dias de hoje.

Após a Revolução Russa de 1917, surge a 3ª Internacional, fundada pelos comunistas marxistas e apoiada pelos bolcheviques, que governavam a Rússia Soviética. Essa durou até a segunda metade do século 20, quando o ditador Stalin, em acordo com Churchill, ordenou o fim da 3ª Internacional.

Nesse meio tempo, Leon Trotsky, um dos líderes da Revolução Russa, que foi expulso do Partido Comunista da URSS e banido do país por Stalin, criou ainda antes da 2ª Guerra Mundial, em pleno exílio, a 4ª Internacional.

Toda essa história tem muita importância para entendemos a relevância da Democracia Operária para o movimento operário.

A burocratização, oposto de Democracia Operária

Lênin, ainda em vida, iniciou uma batalha contra a burocratização da URSS. E em dezembro de 1922, nas preparações para o XII Congresso do PC russo, enviou uma nota a Trotsky propondo formar um “bloco contra a burocracia em geral e contra o Birô de Organização (dirigido por Stálin) em particular”. Mas essa batalha não pode acontecer. Em 9 de março, Lênin sofreu um novo ataque, que o manteve paralisado até sua morte, em 24 de janeiro de 1924.

A partir de 1923, Trotsky passa a ser o eixo do enfrentamento com a burocracia que, pouco a pouco, ia se encastelando no poder. Questiona a política econômica que não impulsionava a industrialização, a falta progressiva de democracia operária na tomada de decisões e sua relação com a diminuição na democracia interna partidária.

A Democracia Operária foi sendo sufocada no Partido Comunista e concomitantemente nos Sovietes. As decisões ficavam cada vez mais concentradas nas mãos de um pequeno núcleo de líderes do PC Russo.

Trotsky deu uma batalha contra Stalin em defesa da Democracia Operária e contou, em suas fileiras, com os melhores elementos dos dirigentes históricos e, também, da juventude. Mas a derrota da revolução mundial que isolou a Revolução Socialista nos limites da União Soviética e o cansaço e a desmoralização da classe operária russa, somado ao impressionante atraso da Rússia, deram o triunfo aos que controlavam o aparato.

Em sua batalha, Trotsky enfrentava os sectários que se negavam a entrar nos sindicatos porque estavam dirigidos pela burocracia e os oportunistas que se adaptavam às pressões do aparato.

Ele dizia: “Temos de nos adaptar às condições existentes em cada país para mobilizar as massas não somente contra a burguesia, mas também contra o regime totalitário dos próprios sindicatos e contra os dirigentes que sustentam este regime. A primeira consigna desta luta é: independência total e incondicional dos sindicatos em relação ao estado capitalista. Isso significa lutar para converter os sindicatos em organismos das grandes massas exploradas e não da aristocracia operária.

A segunda consigna é: democracia sindical. Essa segunda consigna se desprende diretamente da primeira e pressupõe, para sua realização, a independência total dos sindicatos em relação ao estado imperialista colonial”.

Nesse sentido, Trotsky via como fundamental a luta pela democracia operária, não apenas nos sindicatos, para que a classe pudesse se levantar com força contra a exploração de seus patrões, mas também na própria União Soviética, onde o PC dirigido por Stalin era não só um empecilho para o avanço da Revolução, mas um verdadeiro retrocesso para o maior passo dado pela classe trabalhadora em sua história.

No Brasil contemporâneo, a história de luta contra a Ditadura Militar se confunde com a luta pela Democracia Operária

No Brasil, em meados da década de 70, ainda sob a forte Ditadura Militar, irrompem movimentos sociais. Primeiro, os movimentos estudantis; em seguida, grandes mobilizações operárias, principalmente, os metalúrgicos.

A existência da Ditadura Militar era um limitador, mas não um empecilho para as lutas. E com as fortes mobilizações foram surgindo movimentos políticos que deram origem a um partido independente dos patrões a avesso ao sistema vigente – o PT.

Logo depois, surge uma central sindical, organizando sindicatos que eram vanguarda na reorganização do movimento sindical brasileiro, que apoiava o PT contra a Ditadura Militar, e que era formada por muitas oposições que lutavam contra as burocracias sindicais (pelegos), que foram colocadas nas entidades pelos militares e os apoiavam.

A derrubada da Ditadura fortaleceu esse movimento sindical que surgia e que queria Democracia nos Sindicatos. Os movimentos sindicais ficaram muito fortes e as greves cresciam em todo o País.

Rapidamente, a CUT se converteu em uma poderosa organização da classe trabalhadora e, o mais importante, em um instrumento de luta da classe.

Infelizmente, ao longo dos anos, as diferenças políticas foram crescendo dentro dessas organizações (PT e CUT) e, assim como nas histórias das Internacionais, não foi possível evitar rachas e rupturas nessas organizações.

É preciso resgatar a Democracia para construir um movimento forte

A luta contra o governo Bolsonaro/Mourão é uma luta de vida ou morte. O movimento precisa do máximo de união e força para o embate contra ele.

Mas no movimento existem muitas opiniões divergentes sobre muitas coisas. Desde o encaminhamento de uma luta específica até qual deve ser a saída estratégica para o País.

Os sindicatos deveriam ser o espaço democrático para se debater isso. Deveriam ocorrer, durante o ano todo, muitos fóruns de discussões e deliberações da categoria.

Militantes e ativistas de direita ou de esquerda deveriam ter espaço para apresentarem seus argumentos, suas propostas de ação e, depois de discutido, votarem qual é a mobilização que se deve fazer.

Isso seriam as bases para um movimento forte, que envolvesse toda a categoria. Os trabalhadores teriam mais confianças nos sindicatos por se sentirem parte dele, ao exporem e debaterem suas opiniões e decidirem democraticamente.

Ninguém seria “dono da verdade”, todos discutiriam de forma bastante honesta suas posições. As propostas aceitas pela maioria seriam aplicadas e depois se fariam balanços para ver se houve acerto ou erro no que foi decidido.

As direções dos sindicatos não teriam nem direito, nem obrigação de fazer valer suas posições, uma vez que essas poderiam ser aceitas ou não pela base. A base é quem deveria decidir o que fazer.

Mas isso está longe de ocorrer na maioria dos sindicatos do País nos dias de hoje. Existe uma grande quantidade de sindicatos que nem assembleia faz, eles decidem na diretoria fazer a negociação com o patrão e se aceitam ou não o Acordo.

Nesses sindicatos quase nunca tem oposição nas eleições e, quando aparece uma chapa de Oposição, as eleições são fraudadas vergonhosamente.

Na categoria bancária, isso acontece até hoje em uma minoria dos sindicatos, particularmente, nos pequenos sindicatos do interior. Mas os bancários estão sofrendo o problema da burocratização.

Há falta de Democracia desde as instâncias de base até os fóruns nacionais. O movimento bancário, nos anos 80, rompeu com a Contec e construiu o Departamento Nacional dos Bancários – DNB/CUT, que depois virou a Confederação Nacional dos Bancários – CNB/CUT e hoje virou a Contraf/CUT.

Os Encontros Nacionais Abertos da categoria foram se transformando em Encontros de Dirigentes dos Sindicatos e Federações. As bases foram desaparecendo desses fóruns, que se transformaram em um fórum de dirigentes sindicais.

As propostas que eram aprovadas nos Encontros e Congressos e que passavam pelas assembleias de base para serem aprovadas pela categoria antes de ir para a mesa de negociação, hoje, na maioria dos sindicatos, apenas os dirigentes sindicais decidem por sua aprovação.

Os Acordos propostos nas mesas de negociação, que antes eram divulgados com antecedência para a base saber do que tratavam e depois ir à assembleia votar, agora só aparecem em cima da hora das assembleias e não são apresentados na íntegra, aliás, ultimamente só são publicados muito tempo depois de terem sido aprovados nas assembleias.

Começa a ser ampliada a política de sigilo e hoje já há uma postura de não se divulgar o que é discutido em negociação (vide o GT Saúde Caixa), ou pior, Acordos que são feitos e não são colocados por escrito!

As assembleias e os fóruns de base vão sendo cada vez mais burocratizados, sem discussão alguma. Em tempos de pandemia, com fóruns virtuais, que poderiam ampliar muitíssimo a participação da base, faz-se o contrário.

Cada vez tem menos fóruns de base e, quando tem, não há debates, não se pode apresentar contraditórios ou críticas à direção do sindicato. E a assembleia se transforma em plebiscito – SIM ou NÃO.

Nessas condições, fica impossível construir fortes mobilizações. As bases se afastam cada vez mais dos sindicatos e os Acordos retrocedem sem luta, sem resistência alguma da categoria. Foi nessa toada que, em 2020, assinou-se um Acordo abaixo da inflação, sem haver greve para impedir esse arrocho.

Mas como esse processo gera um desgaste nas direções sindicais, começam a operar a falta de democracia também nos processos eleitorais das entidades para as diretorias não correrem o risco de perderem as eleições.

Mudanças no estatuto do sindicato, em meio à pandemia, feito em assembleia virtual com o SIM ou NÃO, estão trazendo mais dificuldades para as bases organizarem chapa de Oposição e, quando conseguem, sofrem com fraudes e dificuldades para fazer a disputa, pois, nos novos estatutos, a vantagem é toda de quem dirige o sindicato.

Portanto, estamos vivendo um retrocesso no movimento sindical bancário. Em uma conjuntura em que as liberdades democráticas também estão em retrocesso por causa de um governo bonapartista, que se apoia nos militares e defende a AI5 e a volta da Ditadura Militar.

É bastante incoerente dirigentes sindicais que criticam Bolsonaro praticar a falta de democracia nos sindicatos que dirigem.

E com essa prática, combinada com a difícil conjuntura da pandemia, as lutas estão muito difíceis de acontecerem. E vemos o retrocesso aumentar cada vez mais.

Será que vamos retroceder aos anos 70 ou vamos ter uma nova guinada no movimento sindical e mudanças profundas em suas direções?

Para responder a essa pergunta, devemos saber se a questão da Democracia vai retroceder cada vez mais ou se as massas voltarão a abraçar essa bandeira.

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