Jair Bolsonaro encerrou sua fala a embaixadores em reunião na segunda-feira 18, por ele convocada, com o “muito obrigado a todos os senhores”. Foi a senha para os aplausos, no entanto seguida de longo e constrangedor silêncio. Em seu recado aos países ali representados, Bolsonaro desacreditou o processo eleitoral no Brasil. Mencionou o que teria sido a invasão de hackers aos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018, com possível manipulação do resultado naquele pleito, pleito do qual, aliás, foi vencedor. Repetiu, sem vestígio de prova, acusações anteriormente refutadas pelo próprio TSE. O presidente criticou, também, ministros do Supremo Tribunal Federal por suas decisões relativas ao ex-presidente Lula e medidas contra as denominadas fake news.
Para alguns analistas, Bolsonaro anuncia um golpe, a exemplo do que fizera em 7 de setembro de 2021, quando, na Av. Paulista então enfeitada por patos amarelos, afirmou que da cadeira presidencial “só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”.
Há que se recordar que patos amarelos e patrocinadores oligarcas figuraram no processo que, ainda em 2016, cassou a presidenta Dilma Rousseff, sem crime de responsabilidade. The Economist, bíblia dos financistas no mundo, resumiu assim a cassação: “foi um ‘jeitinho´’ dado na Constituição”. Depois, em 2018, o lawfare prendeu em tempo recorde Luís Inácio Lula da Silva, naquele ano candidato apontado em pesquisas como favorito na eleição presidencial, impedindo-o de concorrer.
Para outros, o que Bolsonaro fez e sempre faz é, na expressão do jornalista Bob Fernandes em seu canal no Youtube na terça-feira 19, encenar “farsa golpista diante do mundo”, enquanto o “Secretão corrompe com R$ 53 Bilhões para reeleições”. Secretão é referência à parte secreta do orçamento público. Após emenda constitucional aprovada em 2019, por acordo entre o governo Bolsonaro e parlamentares do chamado Centrão, dispensa-se o anúncio do parlamentar que enviou o recurso público, a quem e para quê. Assim, público e secreto, aqui, não são termos que expressem contradição. São R$ 53 bilhões em três anos ou, ainda na definição de Bob Fernandes, “o que pode ser o maior e mais organizado assalto aos cofres públicos na história da República”.
Bolsonaro dissimula feitos: contrabando de madeira que levou à investigação do então Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles; aquisição irregular de vacinas produzidas na Índia, denunciada por funcionário do Ministério da Saúde na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia; tráfico de influência no Ministério da Educação e Cultura, com favorecimento de pastores de igrejas amparados, a pedido de Bolsonaro, pelo então ministro Mílton Ribeiro. A lista é grande. Tem sido infrutífero dela dar conhecimento ao Procurador Geral da República, a quem cabe apresentar denúncias contra, entre outros, o presidente. Augusto Aras, procurador indicado ao cargo por Bolsonaro em 2019 e à recondução em 2021, rejeitou 74 pedidos de investigação dos 75 que lhe foram encaminhados.
Na economia, aquela conduzida pelo sempre poupado ministro Paulo Guedes, números a escamotear: 33 milhões de famintos, outros tantos milhões de desempregados e subempregados, supermercados vendendo ossos de primeira, de segunda, pele de frango, lascas de macarrão.
Dados esses cenários, surgem outras questões: haverá medida do Governo Federal propondo o adiamento das eleições em razão da instabilidade? Será instituída a figura do senador vitalício, sob medida a Bolsonaro? Bolsonaro será processado por crimes elencados nas dezenas de pedidos de impedimento engavetados por Artur Lira, atual presidente da Câmara? Bolsonaro renunciará à candidatura em troca de garantias para ele e sua família, viabilizando assim a terceira via natimorta?
É bem possível que seja tudo junto e misturado. Mas nem isso é capaz de mobilizar o país. Ao que parece, a crença do povo é em outubro. Tomara que se possa chegar lá e se efetive a possibilidade de reconstruir o país hoje devastado.