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Home Office: residência do trabalhador não é “puxadinho” da empresa

A discussão da Saúde do Trabalhador (ST) parte da essência da relação capital/trabalho, considerando que os acidentes, as doenças ocupacionais e o sofrimento em geral são consequências diretas da exploração capitalista. Quanto mais as empresas adotam as “modernas formas” de gestão, que na verdade visam, exclusivamente, a ganhos de produtividade e ao aumento de lucro, mais insalubre, perigoso, penoso e, portanto, indigno, torna-se o trabalho.

O resgate dessa discussão é imprescindível quando pautamos o tema do home office (HO). A recente reforma trabalhista, Lei 13.467/2017, na verdade, a desconstrução da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), entre as diversas flexibilizações de direitos instituídas por meio dela, trouxe, ainda, a liberação total do trabalho a distância em suas diversas modalidades, entre elas, o trabalho em casa, com largas vantagens às empresas em detrimento da proteção e dos direitos dos trabalhadores.

O advento da pandemia do coronavírus acelerou a implementação desse tipo de contratação, cujo processo vinha se dando de forma mais lenta, haja vista a radical alteração que isso representa nos modos de produção. Como forma de viabilizar o isolamento social, temos de reconhecer – essa foi uma importante medida, mas isso não implica aceitarmos passivamente sua adoção permanente, restabelecida a normalidade das condições sanitárias, como algo vantajoso para os empregados.

Os patrões, em especial, os banqueiros, apressam-se em declarar que pretendem, mesmo após a superação da pandemia, manter grandes contingentes de trabalhadores nessas condições. Aliás, os bancos já se estruturam para adotar, definitivamente, o modelo, reduzindo ou eliminando diversos espaços onde antes alocavam grandes concentrações de trabalhadores. No entanto, o trabalho realizado no domicílio tem potencial para gerar inúmeras consequências negativas à saúde e à própria vida das pessoas (trabalhadores e familiares) e, com as novidades introduzidas pela nova legislação, torna-se ainda mais draconiano.

Os empregados, por sua vez, iludidos com pequenos benefícios e algum conforto que essa modalidade possa trazer, como a economia de tempo e mesmo de dinheiro, pois não dependerão mais de condução, própria ou coletiva, para se dirigir diariamente ao local de trabalho, rapidamente perceberão que são insignificantes comparados aos prejuízos causados pelo sistema de HO, em especial, os efeitos negativos à Saúde Mental.

Por isso, a complexidade envolvida nessa alteração do regime de contratação exige um debate bastante aprofundado sobre as consequências objetivas e, principalmente, subjetivas que gerará e, nesse processo, a escuta dos trabalhadores é indispensável.

O trabalho realizado na residência, em princípio, é uma invasão de domicílio do empregado por parte do empregador. Uma das funções do lar é servir como “refúgio” para as pessoas se desligarem das agruras que a atividade laboral frequentemente impõe. Portanto, se a moradia se torna uma extensão ou o próprio local de trabalho, essa possibilidade, no mínimo, é prejudicada, quando não, inviabilizada.

Os casos de adoecimento de trabalhadores, relacionados ao sofrimento mental, vêm crescendo nas últimas décadas em grande escala e observa-se que a precarização das condições de trabalho é a grande responsável por esse fenômeno. É comum esse tipo de doença gerar incapacidade para o trabalho e a consequente necessidade de afastamento, medida que faz parte do processo de tratamento e recapacitação do empregado. Porém, quando o trabalho é realizado na própria moradia, torna-se difícil para ele superar as experiências negativas, pois o ambiente em que o trabalho é realizado é o mesmo em que terá de cumprir seu tempo de afastamento e todos os detalhes do local serão motivos para reviver os traumas causados pelo trabalho.

Contudo, esse não é o único inconveniente. Podemos listar um sem-número de problemas que advirão com a adoção desse sistema de forma permanente e definitiva. Diversas pesquisas e estudos, nesse curto espaço de tempo, no Brasil e no mundo, desde o início da pandemia, mostram que os trabalhadores vêm percebendo esses malefícios.

As pessoas estão mais estressadas e ansiosas. A economia do tempo perdido no trânsito foi consumida por jornadas extras mais extensas. Entre os brasileiros, 42% trabalham, ao menos, 40 horas a mais. 90% dos brasileiros relatam problemas relacionados à saúde mental no trabalho e que estão afetando sua convivência familiar. 87% dos brasileiros apresentam dificuldades para conciliar a vida pessoal com a profissional. Tudo porque a pressão para produzir mais também aumentou (Pesquisa Oracle e Workplace Intelligence – 20.10.2020).

Outra pesquisa divulgada pela Revista Exame, em 18.11.2020, da VR Benefícios, aplicada pelo Instituto Locomotiva, aponta que 79% dos entrevistados viram suas despesas domésticas subirem: conta de luz, água, alimentação, upgrades de pacotes de internet banda larga e contratação de antivírus, principalmente. E apesar da nova redação da CLT dizer que esses reembolsos de despesas devam constar em contratos de trabalho específicos, é manifestamente reconhecido, por outros artigos e pela jurisprudência trabalhista nacional, que as empresas são as responsáveis pelos ônus do exercício das funções. Não é à toa que o teletrabalho home office tinha uma visão otimista de 70% em janeiro de 2020 e já caiu para 45% de aprovação entre abril e junho do ano passado.

As residências dos trabalhadores, obviamente, não seguem um padrão definido e isso faz grande diferença. Quanto mais humilde for esse trabalhador, provavelmente, menos condições sua habitação oferecerá. É completamente diferente a situação de alguém que reside em uma casa espaçosa, com diversos compartimentos, em que os familiares podem permanecer em locais diferentes. Podemos pensar, inclusive, em uma situação em que o trabalhador habite uma casa com um escritório isolado e com todos os recursos que o trabalho exige comparada à de uma outra pessoa, que more em uma casa pequena, convivendo com diversos familiares. Certamente, as condições dessa última serão mais inadequadas, mas nem por isso poderíamos afirmar que a outra oferece condições ideais.
Outra situação também relatada é a de um trabalhador que reside em um condomínio em um bairro novo, em fase de estruturação, onde são realizadas, frequentemente, obras tanto externas – como asfaltamento, instalação de redes de esgoto, construção de outros edifícios, como internas – reformas e adaptações de novos moradores no mesmo prédio. Essas obras provocam ruídos intensos, inclusive, em muitos casos, ultrapassando os limites de tolerância estabelecidos no Anexo I da NR 15.

Quando o trabalho é realizado em local próprio da empresa e há necessidade de obras de manutenção ou reforma, são adotadas medidas coletivas para eliminar ou mitigar os fatores de risco de insalubridade, tais como obrigatoriedade de os serviços serem executados fora do horário de expediente, normalmente à noite, ou mesmo, em situações-limite, seja providenciada a mudança provisória para outra dependência da própria empresa ou para um imóvel locado. Naturalmente, quando se trata da residência de um empregado, essas soluções são inviáveis.

As situações acima elencadas são exemplificativas de uma gama de especificidades que certamente existem em cada um dos lares dos trabalhadores colocados em situação de trabalho no próprio domicílio. Porém, existe outro problema previsto na nova lei de que não há garantia de fornecimento, pela empresa, dos equipamentos necessários para a realização das tarefas, como mobiliário, equipamento e outros recursos, iluminação, telefone, internet etc.

Já, relativamente à ST, contrariando a previsão legal do § 1º do Art. 19 da Lei 8.213/91 e da NR 1, item 1.4.1, em especial, a alínea “g” e seus incisos, que definem como obrigação do empregador a adoção das medidas de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, a Lei 13.467/2017 transfere essa atribuição ao próprio trabalhador, apenas exigindo da parte do patrão que o “oriente” a respeito das normas de segurança. A dificuldade em caracterizar um acidente ou doença do trabalho nessas condições representa outro fator prejudicial em todos os casos de HO.

Por fim, outro aspecto importante, esse do ponto de vista subjetivo, é considerar o ambiente de trabalho apenas como o local onde o empregado realiza as atividades previstas em seu contrato de trabalho, entrega sua produção ao dono da empresa e, em contrapartida, recebe seu salário; desconhecendo o local de trabalho também como espaço de socialização, pois para além do viés econômico de subsistência própria e de sua família, há também o social. Sair de casa todos os dias e conviver com os colegas de trabalho é fator importante de promoção da saúde mental, o trabalho compõe a identidade das pessoas.

Portanto, o movimento sindical não pode se arvorar em estabelecer processo negocial que vise à implantação, de forma perene, desse tipo de trabalho. O que deve fazer é buscar o diálogo com as empresas nesse momento em que o HO tem servido como uma alternativa à necessidade de isolamento de muitos trabalhadores para estabelecer limites para a execução do trabalho nessas condições, deixando claro que se trata de uma solução provisória e deve ser utilizada somente em situações especialíssimas, como na atual pandemia.

Por outro lado, não basta os dirigentes das entidades representativas se qualificarem para o debate. É preciso envolver os trabalhadores, conscientizando-os dos riscos que representa essa inovação e mobilizando-os para o enfrentamento com as empresas, pois essas já deixaram muito claro quão interessadas estão nessa profunda transformação do mundo do trabalho que, certamente, trará expressivo aumento de suas margens de lucro às custas da precarização da vida e da saúde dos empregados e de suas famílias.

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