Economia

O telefonema do banqueiro ao banqueiro

Fala de André Esteves, banqueiro do BTG Pactual, a clientes em outubro de 2021 em áudio divulgado pelo Brasil247: “O Roberto me ligou e me perguntou: ‘o André, onde você acha que está o lower bound?’. Roberto, no caso, é o Campos Neto, à época e até 2024 presidente do Banco Central do Brasil (Bacen). A consulta era a respeito da taxa básica de juros, a SELIC. Campos Neto veio do Santander. Foi indicado ao cargo pelo governo Bolsonaro em 2020 e trajava camisa amarela no dia da eleição à Presidência da República em 2022. A conversa é entre banqueiros. Nela, votos dos cidadãos nada pesam. O Bacen independente não se submete ao governo eleito.

O Bacen tem por tarefa, em tese, manter a inflação dentro da meta e aplica, para tanto, sua política monetária. Mais moeda ou menos moeda em circulação – por meio da emissão, operações de crédito, dispêndio público, direcionamento do excedente em bancos a operações compromissadas – é o que interessa à autoridade. Taxa Selic interfere nas taxas de outras operações: se elevada, reduz a oferta de moeda; se reduzida, a aumenta. Na visão da autoridade monetária, moeda farta a consumidores e empresas, sem a contrapartida da oferta de produtos, elevaria a inflação.

Para analisar expectativa quanto a inflação e taxa de juros, o BC consulta uma centena de porta-vozes do mercado financeiro. Não são ouvidos outros segmentos no país, sejam de representantes de empresários ou da classe trabalhadora.

Números oficiais revelam que a inflação brasileira não é de demanda. Combustíveis, sem que a demanda tenha se elevado ou a oferta reduzida, têm dado a dinâmica da variação acumulada, especialmente pela dolarização de seus preços. Frete mais alto eleva o custo. Gêneros alimentícios chegam mais caros às prateleiras e bancas.

Os maiores juros reais do planeta Terra

O economista Márcio Pochmann, segundo a Focus Brasil, “alerta que a cada aumento de um ponto percentual na taxa básica de juros, a dívida líquida do setor público cresce R$ 38 bilhões. Como a Selic aumentou 11,75 pontos entre agosto de 2020 (2%) e dezembro do ano passado (13,75%), o impacto na dívida do setor público foi de R$ 446,5 bilhões. Um gasto improdutivo”.

O economista André Lara Rezende, ao analisar a hipótese de Selic crescente em razão do deficit fiscal e elevação da dívida pública, traz outra comparação: “A PEC da transição autorizou despesas em torno de 2% do PIB. A alta da taxa básica de juros, promovida por canetadas do BC desde 2021, custou quase o dobro desses 2% do PIB, só em 2022. Faz sentido?”. A PEC, vale lembrar, foi batizada pela mídia corporativa como a da “gastança”.

Registra, ainda, a Focus Brasil: A taxa real de juros (nominal descontada a inflação) no Brasil é de 8,16%. A do México, segunda maior, 5,39%, a do Chile, terceira, 4,66%. Principais economias do mundo – Estados Unidos, a do Japão e a de muitos países europeus – têm taxa real negativa.

A Selic de Campos Neto vem crescendo. E, embora crescente, o teto da inflação foi superado nos dois anos de sua gestão. Um fracasso, talvez porque a realidade teime em contrariar o modelo matemático. Ou, ainda, porque a intenção seja inviabilizar o governo e restabelecer a corte neoliberal. As taxas reais fazem a alegria dos detentores da dívida pública, nunca auditada e que se alimenta de si mesma.

A atividade econômica não será retomada sem a concessão de crédito e de renda para o consumo. Sem crescimento, milhões continuarão procurando emprego, passando fome e com dívidas em atraso. O governo ainda está em seu início: deve promover junto à sociedade a necessária discussão para mudança desse caminho.

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