As lesões por esforços repetitivos/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (LER/DORT) são conhecidas desde o século XVIII, sendo denominadas “doença dos escribas”, quando o médico italiano Bernardino Ramazzini, considerado o pai da Medicina do Trabalho, publicou sua obra “As Doenças dos Trabalhadores” em que identificou 54 moléstias relacionadas ao trabalho e recomendava aos médicos, ao estabelecer o diagnóstico dos trabalhadores, investigarem a possível relação entre as doenças e as atividades profissionais atuais e pregressas.
Em diversos momentos da história esse grupo de enfermidades, cuja principal causa é a sobrecarga suportada pela estrutura musculoesquelética do corpo, normalmente como consequência das exigências laborais, foi objeto de debates e estudos, de acordo com a realidade do mundo do trabalho em cada época. No início do século XX, por exemplo, essas ocorrências foram caracterizadas como “doença das costureiras”.
Já mais recentemente, nos anos 1980, com a proliferação das atividades de computação, a alta incidência dessas patologias foi mais uma vez observada, dessa vez nas empresas de processamento de dados e novamente rebatizada, agora como “tenossinovite dos digitadores”. Não demorou muito, no entanto, para que fosse observada também em outros setores, que trabalhavam com entrada de dados, como no caso dos bancários, inicialmente nos caixas executivos, mas logo depois praticamente em todas as funções, tendo em vista o avanço do processo de automação nas empresas financeiras.
Mas os teclados dos computadores não eram os únicos vilões, responsáveis por essa verdadeira epidemia. Também nos postos de trabalho de linha de montagem, ou que exigem coordenação motora fina, trabalho em frigoríficos, para citar alguns exemplos, foram constatados altos índices de moléstias caracterizadas como LER/DORT.
A alta incidência dessas enfermidades observadas naquele período, propiciou a intensificação do debate, culminando com a elaboração, em 1993, da primeira norma oficial, sob responsabilidade do INSS, a época designada apenas como lesões por esforços repetitivos (LER).
De lá para cá foram realizadas não somente atualizações nas normas específicas, bem como relativas às doenças do trabalho em geral, com destaque para a alteração na Lei 8.213/91, Lei de Benefícios da Previdência Social, ocorrida em dezembro de 2006, com a aprovação da Lei 11.430, introduzindo o artigo 21-A e criando o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), importante instrumento que permite o estabelecimento do nexo causal de forma presumida das doenças características de determinada atividade econômica, mesmo sem a emissão da CAT pela empregadora.
Fato irrefutável é que as causas não somente das LER/DORT, mas de toda doença relacionada às atividades laborais, podem ser resumidas de forma generalizada na organização do trabalho, em especial nos últimos 30 anos com a exacerbação da pressão por produtividade e a drástica redução dos postos de trabalho em praticamente todos os setores econômicos.
Os avanços tecnológicos, ao contrário de promover a melhora na qualidade dos ambientes laborais e redução da carga e das jornadas de trabalho, foram totalmente apropriados pelas empresas como forma de ganhos exponenciais de produtividade, com a redução de empregos, aumento da cobrança e controles mais rígidos da produção.
Para o economista e professor da Unicamp, Marcio Pochmann, atualmente presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), face aos níveis de tecnologia incorporados nas plantas da maioria das empresas, a jornada semanal de trabalho, no Brasil, poderia ser reduzida a 12 horas e implantado o regime de pleno emprego, sem comprometer a viabilidade econômica delas.
Como se não bastassem os níveis insanos da exploração do trabalho, as empresas continuam se recusando a reconhecer a relação entre esses adoecimentos e seus ambientes, negando-se a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), descumprindo impunemente a legislação. Mas isso também não é exclusividade das LER/DORT, pois observa-se o mesmo comportamento relativamente a todas as demais doenças do trabalho. De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde no ano de 2022 foram registrados em todo o país 7.259 casos de LER/DORT, sendo a imensa maioria não notificada pelos patrões.
A conclusão a partir da análise dessa realidade trágica é de que com todos os avanços conquistados tanto do ponto de vista das normas e legislação, quanto da experiência e conhecimento adquirido sobre o tema, bem como do nível de consciência atingido pelos próprios trabalhadores, fatos que, evidentemente, devem ser comemorados nesse dia 28 de fevereiro de 2024, nada se obteve em termos de melhorias nos ambientes de trabalho, os quais continuam gerando milhares de afastamentos por LER/DORT e por outras doenças.
Para discutir o atual estágio em que se encontra esse panorama e quais caminhos a seguir, amanhã, 29/02, acontecerá, na sede da Fundacentro em São Paulo das 09h às 12h45, com transmissão pelo canal do YouTube da Fundação, a roda de conversa “LER/DORT: ontem e hoje. O que aprendemos e o que fazer? Mais informações no link: https://www.gov.br/fundacentro/pt-br/comunicacao/noticias/noticias/2024/fevereiro/roda-de-conversa-debate-ler-dort-em-sao-paulo