Cultura para todos
A vida conta pelo que ela é, não pelo que poderia ter sido. Quer dizer, para a história, o importante é o presente, ou seja, o real, e o passado, como lição. É o real que temos de enfrentar, mas ele não é uma pedra estática e, sim, um conjunto dinâmico de possibilidades que, a todo momento, estão postas diante dos nossos olhos e à espera de nossas mãos.
Cabe à imaginação e ao pensamento imaginar e pensar outras possibilidades de existência que nos tirem de um real engessado em formas que já não condizem com nossas necessidades e expectativas, um real em que a dimensão do sonho esteja presente como pão cotidiano a nos despertar e embelezar nossas vidas. Cabe à cultura despertar o sonho na realidade.
É tarefa da inteligência desmascarar certo discurso que traz a realidade como algo estático, cristalizado: que a desigualdade (social) – e a pobreza e a miséria a ela associadas – é natural, que a riqueza é resultado do mérito – e não do roubo –, que destruir e apropriar-se da natureza é uma condição humana, que o capitalismo corresponde a uma forma econômica natural.
Essas mentiras cristalizadas são somente isso, formas petrificadas cuja aparência esconde os mecanismos sob os quais se gestam a riqueza capitalista, a destruição da natureza, a miséria: a exploração do homem sobre o homem, o roubo – direto e indireto – a violência sobre a vida como motor do progresso. Abertas as cortinas, o que aparece no cenário são sangue, morte e violência cotidiana engendrando um real de aparência estática onde os donos do poder refestelam-se com caviar e sangue humano – de trabalhadores, índios, mulheres e LGBTs explorados e assassinados diariamente.
A marcha da irracionalidade que se instaurou sobre o Brasil na figura do presidente genocida Jair Bolsonaro traz, em seu discurso, a constante naturalização da desigualdade e da violência e, na medida em que a vida se choca contra os interesses escusos e imediatos daqueles que controlam o poder, tenta, também, naturalizar a morte em larga escala, pois prefere a morte (dos outros, é claro) a abrir mão da mixórdia de interesses que movem esse governo em rota de colisão com a vida – motivos religiosos, interesses de classe (garantir o máximo direito de exploração dos trabalhadores ou quebrar as regras de proteção ambiental para garantirem a expansão dos latifúndios em terra da Amazônia, por exemplo) e sonhos estranhos de extratos ressentidos da classe média, que sempre se opuseram aos direitos fundamentais. O lema desse governo é: Se a vida atrapalha nosso caminho, paciência, nos associamos com a morte.
É nessa lógica que se movem, em uma mesma direção, esse governo e a morte – agenciada por aquele – que os trabalhadores da Caixa também foram atingidos: à frente dos pagamentos emergenciais, não foram poucos os que se transformaram em mártires; sendo o mártir a testemunha, eles foram testemunhas, com suas vidas, dessa política irracional e mártires quase no sentido cristão, mas propriamente histórico, vítimas de um processo histórico e luta de classes que mostrou a que veio: as elites, para se manterem no poder, não hesitarão em usar a morte em sua gestão eficaz.
O direito à vida plena e ao bem-estar não é um apanágio dos ricos: é preciso profanar, ou seja, como diria Giorgio Agamben, restituir ao uso comum, coletivo, aquilo que está nas mãos de poucos – direitos, recursos, vidas.
Agora é para todos, dizemos nós, cônscios de que é necessário unir-se, dar-se as mãos para enfrentar o fascismo de plantão e o sindicalismo apequenado, que fechando acordos em que só perdemos, ajudou, de alguma maneira, que as coisas chegassem onde estão.
Pensar em uma cultura para todos, para que o fermento do sonho seja inoculado na realidade e nos permita voltar a sonhar e a voar em direção a outra realidade.
#agoraeparatodos #corpoemente