O último artigo sobre saúde publicado aqui neste espaço, na semana passada, fala sobre o levantamento feito pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que aborda o lucro das operadoras privadas de saúde, com crescimento da ordem de 50% em 2020 comparativamente ao ano anterior.
Mais cedo do que esperávamos, temos de retornar ao tema, provocados por matéria divulgada pelo jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 19 de junho, informando sobre o lobby das entidades representantes dessas mesmas empresas junto ao Congresso Nacional por meio de carta aberta, enviada no dia anterior, assinada pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), a União Nacional de Instituições Autogestão em Saúde (Unidas) e a Confederação Nacional das Cooperativas Médicas (Unimed).
As entidades signatárias tentam convencer os congressistas a se contraporem a diversas propostas legislativas que favorecem os consumidores de planos privados, como os PL 4.201/12, que mantém a cobertura dos planos mesmo em caso de inadimplência; o 6.330/19, que determina incorporação automática de medicamentos oncológicos orais ao rol de procedimentos obrigatórios da ANS; o 1.874/15, que determina cobertura para tratamento de transtorno do espectro autista sem limitação de sessões; e o 2.564/20 do Senado, que cria piso salarial para enfermeiros e técnicos de enfermagem e que, no último dia 17 de maio, teve seu requerimento de urgência aprovado com a assinatura de 55 senadores.
O documento inicia mencionando o papel preponderante das empresas em auxílio ao SUS no combate da pandemia, porém, na avaliação de especialistas em Saúde Pública, entre eles a doutora em Saúde Pública e professora da UFRJ, Lígia Bahia, e o analista de saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Matheus Falcão, a participação dessas empresas deveria ter sido muito mais ampla, citando como exemplo o fato de que menos de 10% dos testes para identificação do vírus (PCR e sorologia) tenham sido aplicados por elas e de não ter havido a disponibilização do total de leitos de UTI, quando no SUS a ocupação já atingia quase 100%.
As entidades elencam vários fatores que, no seu entender, ameaçam a estabilidade do setor caso esses PL sejam aprovados, entre eles, o recorde de ocupação de leitos no primeiro quadrimestre de 2021, a retomada dos procedimentos eletivos, a falta de medicamentos, a inflação dos insumos da área de saúde e a possível redução no preço das mensalidades dos planos individuais em discussão no Ministério da Economia.
Essa postura cínica somente reforça a necessidade da defesa do SUS e o combate à lógica da saúde como mercadoria, pois os ganhos adicionais obtidos no ano passado às custas da própria pandemia e, em última análise, da tragédia da população, principalmente da parcela mais vulnerável, já foram devidamente apropriados pelas empresas.