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PL 4188/2021, o projeto da “Mão Grande” do banqueiro O penhor fora da CAIXA e a execução (das garantias) dos clientes

Neste artigo analisaremos o Projeto de Lei (PL) 4188/2021, aprovado na Câmara de Deputados no dia 1º de junho, que, além de tirar a exclusividade da CAIXA nas operações de penhor, altera substancialmente a Lei 9514/1997, que instituiu a Alienação Fiduciária, hoje forma adotada na quase totalidade dos financiamentos imobiliários do país. Em 8 de junho o projeto foi encaminhado ao Senado, onde lutamos para que seja rejeitado integralmente.

Na gíria, mão grande é roubo. Quando alguém perde o celular “na mão grande” significa que, sob coação física ou grave ameaça, foi subtraído.

O PL 4188/2021, que para facilitar chamaremos aqui de PL da Mão Grande, de autoria do governo Bolsonaro e assinado pelo ministro Paulo Guedes, versa sobre vários assuntos amalgamados. A redação do texto mistura repasse de verbas do FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) com composição do Conselho Nacional de Seguros Privados e a instituição de Instituições Gestoras de Garantias (IGGs) das operações de crédito, especialmente as garantidas por imóveis. Por último e não menos importante, retira a exclusividade da CAIXA nas operações com penhora de objetos (ouro e joias).

Em linhas gerais, o PL da Mão Grande trata de ampliar a possibilidade de operações de crédito com garantias para os bancos e a facilidade de formalização legal e execução (tomada à força) dessas garantias.

 Penhor da CAIXA e a libertinagem do mercado financeiro

No dicionário, a palavra “penhor” possui seu significado principal relacionado às operações de crédito hoje realizadas pela CAIXA. Mas também tem o significado de “garantia”, “segurança”.

De fato, a linha de crédito, congênita à CAIXA, foi realizada desde sua fundação no Rio de Janeiro imperial e tem baixo risco de perda de capital para o banco. E é nisso que o banqueiro Paulo Guedes está de olho. Baixo risco para os bancos e altos lucros.

Do lado oposto, o do cliente, uma desregulamentação do setor vai facilitar a perda de objetos com valor sentimental, a prática de juros abusivos, bem como a lavagem de dinheiro e o fortalecimento de mercado informal de joias, o que também facilita a ação de criminosos. Mas o mercado financeiro libertino não se preocupa com segurança pública: é obrigado por lei a apresentar plano de segurança de suas agências bancárias (sinal de que se teve que impor as condições de segurança às agências), hoje muitas sem porta giratória ou outro anteparo de segurança.

Por fim e não menos importante, é mais uma forma de esvaziar a CAIXA de operações que – ao mesmo tempo que facilitam o crédito a pessoas de menor renda – são sólidas para o banco. Uma perseguição a tudo que é público e coletivo no país.

Na República das Milícias, governo quer execuções mais ágeis

Em 1997, sob o argumento de facilitar o crédito imobiliário, foi normatizada a figura da “alienação fiduciária”. Até então o crédito imobiliário era basicamente estruturado sobre a garantia da “hipoteca”. A principal diferença, na prática, é a simplicidade e rapidez com que o banco consegue tomar o imóvel do inadimplente. Diante do funding da poupança que rende no máximo 6%aa + TR, o crédito imobiliário segue caro e pouco acessível à grande maioria da população. O acesso à moradia via financiamento só atingiu uma fatia maior de brasileiros através dos subsídios do MINHA CASA MINHA VIDA, programa desmantelado pelos mesmos autores do PL da Mão Grande – Bolsonaro e Paulo Guedes.

Pois bem, o PL da Mão Grande tem como objetivo criar condições para que não só o crédito imobiliário, mas todas as operações – como cheque especial, por exemplo – possam estar garantidas por alienação fiduciária de imóveis e outros bens. E que a execução ocorra rapidamente, com baixo custo e de forma lucrativa.

Para isso funcionar, seriam criadas as Instituições Gestoras de Garantias, instituições que cuidarão de formalizar contratualmente as garantias e executá-las de forma rápida e sem possibilidade de questionamento judicial. A novidade é que, além de garantir um empréstimo, o mesmo bem poderá garantir várias operações de crédito.

Os bancos vão poder reduzir custos operacionais ligados à formalização, manutenção de contratos, execução das garantias e, por fim, gestão dos imóveis e bens tomados, pois tudo ficaria terceirizado para as IGGs. Redução de custos, maiores lucros. Isso depois de os banqueiros terem o maior lucro da história em 2021, coincidentemente o pior ano da pandemia. É de deixar a milícia com inveja.

Sobre o argumento de redução futura dos juros, hoje as operações de empréstimo com garantia no imóvel próprio têm taxas de juros em torno de 20%aa. Taxa similar à de capital de giro para empresas, com garantia apenas de aval dos sócios. Não é uma taxa baixa. A alta taxa de juros no Brasil é causada pela alta concentração do sistema bancário. E também porque a última tentativa de usar os bancos públicos para forçar a redução deu – entre outros fatores – no impeachment de Dilma.

A mão grande dos banqueiros

Abaixo, trechos da lei, para que o leitor tire suas próprias conclusões a respeito:

“O inadimplemento de quaisquer das obrigações garantidas pela propriedade fiduciária faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo imóvel, inclusive quando a titularidade decorrer do disposto no art. 31 [titularidade de terceiros, ou seja, na condição de avalista ou fiador].”

“Se o produto do leilão não for suficiente para o pagamento integral do montante da dívida, das despesas e dos encargos de que trata o § 3º, o devedor continuará obrigado pelo pagamento do saldo remanescente, que poderá ser cobrado por meio de ação de execução e, se for o caso, excussão das demais garantias da dívida.”

Sim, o bem de família – ou seja, o único imóvel usado para residência – poderá ser executado, mesmo se for uma dívida de terceiros. O PL da Mão Grande altera o artigo 3º da Lei 8009/1990, cujo título é “Que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família”, com a seguinte redação:

“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

V – para excussão de imóvel oferecido como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos obtidos, mesmo quando a dívida for de terceiro”.

 Por ironia do sistema: se for uma dívida trabalhista, aquela em que o patrão dá uma volta no seu empregado, a proteção do bem de família permanece – assim, a Lei 8009/1990, sobrevive por aparelhos.

Para o banqueiro, garantia é coisa que se executa

 As constituições como organizadoras da sociedade servem nos estados modernos para proteger os indivíduos contra o poder dos governantes, suas instituições e contra o poder dos ricaços, que movem, através do dinheiro, grandes forças sociais, como a justiça, por exemplo.

Com a facilitação para que famílias percam seus lares, o PL da Mão Grande fere preceito fundamental da Constituição Federal (CF), “Título II” da CF trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. O artigo 6º da nossa constituição diz: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta constituição.”

Se é verdade que o Brasil falha em todas as modalidades de garantias fundamentais do artigo 6º, o PL da Mão Grande tem como objetivo que saiamos dos 6 milhões de famílias sem moradia – para um número ainda maior. Para banqueiro, garantia é coisa que se executa.

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