ArquivosCaixaPrevidência e Saúde

A cláusula 46 e o paradoxo

O humorista, escritor e dramaturgo, Millôr Fernandes, entre suas inúmeras reflexões sagazes, dizia “Toda regra tem exceção. E se toda regra tem exceção, então, esta regra também tem exceção e deve haver, perdida por aí, uma regra absolutamente sem exceção.”

O que isso tem a ver com o ACT Contraf/Caixa e o Saúde Caixa?

Bem, o genial Millôr expressa com essa frase um exemplo de paradoxo, assim como a cláusula 46 do ACT 2020/2022 é paradoxal.

O item do acordo estabelece o grupo de trabalho – GT Saúde Caixa e diz no parágrafo terceiro “…deverá apresentar, até 31/07/2021, formato de custeio e de gestão para o Saúde CAIXA que garanta o cumprimento do limite de participação da empresa no custeio dos benefícios de assistência à saúde, nos termos do Estatuto Social e da cláusula 32, parágrafos quinto e seguintes, e a sustentabilidade do plano de benefícios em curto, médio e longo prazo…” (grifos nossos). Ora, cumprimento do limite de participação da empresa (6,5% das FP de ativos e aposentados) e sustentabilidade, são coisas absolutamente incompatíveis.

É impossível manter a sustentabilidade do Saúde Caixa retirando seu elemento central de sustentabilidade, ou seja, a regra da proporção 70/30 como forma de manter o compromisso perene com o custeio do plano, assumido pela Caixa em 2004. Na prática, ao desfazer esse mecanismo, retira recursos de um plano de autogestão por RH, que não tem, por definição, como buscar outras fontes que não sejam as contribuições da Caixa e dos titulares e a consequência disso é os empregados arcarem com esses valores, enquanto suportarem.

O pior é que isso não se percebeu apenas agora faltando pouco mais de um mês para o encerramento do prazo estabelecido para a apresentação da proposta, 31/07, que, segundo os defensores do ACT, finalmente iria acabar com a angústia dos 120 mil empregados, ativos e aposentados, titulares e seus dependentes, com a construção de um modelo estabelecido por consenso, dando conta de resolver essa contradição. Quando a proposta de acordo foi apresentada, muita gente alertou para a incongruência contida no texto, mas a direção da Contraf e a CEE, talvez não tenham entendido, ou simplesmente não deram ouvidos, induzindo a maioria dos empregados a erro, nas assembleias plebiscitárias.

A essa altura dos acontecimentos, depois de inúmeras reuniões semanais inférteis, durante praticamente seis meses, as entidades vêm informar que as negociações no grupo não avançam porque a Caixa quer aplicar a Resolução 23 da CGPAR e afirmam que o ACT não prevê essa possibilidade. Conversa de louco, já está quase tudo lá no ACT. Basta uma leitura comparativa entre as cláusulas 32 e 46 com a norma da CGPAR para se chegar a essa conclusão sem muito esforço, embora se tenha tomado o cuidado de não colocar na redação referência explícita à resolução naquele momento tão sensível. Senão, vejamos no quadro abaixo:

Quadro comparativo entre CGPAR 23 e ACT/Contraf/Caixa 2020/2022

Teor Itens da CGPAR 23 Itens do ACT
Teto de participação da empresa (6,5% da FP)  Art. 3º, Incisos I e II Cláusula 32, parágrafos 5º e 11º Cláusula 46, parágrafo 3º
Inclusão dos custos não assistências para os titulares Art. 3º, parágrafo 3º Cláusula 32, parágrafo 5º
Não concessão para aposentados (pós emprego)  Art. 8º Cláusula 32, parágrafo 1º
Cobrança por dependente  Art. 9º Cláusula 32, parágrafo 7º
Inclusão, como dependente indireto, de filhos somente até 24 anos e não inclusão de pais sem renda  Art. 9º, inciso IV, alínea “c” Cláusula 32, parágrafo 8º, inciso I, alínea “a”
Vigência a partir de janeiro de 2022 Art. 17 Cláusula 32, parágrafo 3º Cláusula 46, parágrafo terceiro, Inciso II

 

Além dos itens apresentados no quadro, com a aplicação do teto de participação da Caixa, de acordo com as previsões atuariais elaboradas por empresa contratada por ela própria, já em 2022, a Caixa pagará menos de 50% dos custos totais do plano, como prevê o Art. 3º da resolução 23 “Parágrafo 3º A contribuição da empresa estatal federal para o custeio do benefício de assistência à saúde não poderá exceder a contribuição dos empregados.”

 

Os únicos itens da CGPAR aplicáveis ao Saúde Caixa ainda não incluídos no ACT são a cobrança por faixa etária, também prevista no artigo 9º, mas a Caixa já tem demonstrado amplamente sua intenção de incluí-lo, tendo inclusive apresentado balões de ensaio na campanha salarial por meio das propostas iniciais na mesa de negociação; e a proibição da inclusão de detalhamento no ACT, que, embora mantenha o detalhamento, inclui praticamente todas as exigências da resolução, conforme demonstrado.

 

Como se não bastasse, o parágrafo 18º da cláusula 32 diz: “No prazo da vigência do presente Acordo Coletivo a CAIXA realizará estudos técnicos atuariais que fundamentarão a adequação das regras e parâmetros do plano de Assistência à Saúde às diretrizes estabelecidas pelos Órgãos de Controle e Supervisão, cujos resultados serão apresentados às entidades representativas dos empregados.” (grifos nossos). Se os dirigentes da Contraf e os membros da CEE não entenderam o que significa “Órgãos de Controle e Supervisão”, explicamos, isso é outra forma de dizer CGPAR, SEST e outras instâncias que podem vir a ser criadas pelo governo com objetivos semelhantes.

 

É difícil admitir, mas quem está certa é a Caixa. Se for para debater a luz do que foi acordado em 2020 no ACT, as entidades vão ter que engolir a CGPAR 23. Melhor seria reconhecer o erro, podem dizer até que foram enganados pelos negociadores da empresa, difícil de acreditar, pois seria muita ingenuidade, além do mais, como mencionado, alertas não faltaram.

De qualquer modo, já passou da hora de abandonar esse GT sem futuro e convocar a todos os empregados, ativos e aposentados, para um grande processo de resistência. Já perdemos muito tempo com esse lero-lero de “estamos negociando”, quando se sabe, o que aconteceu desde o início de 2017, ainda antes do 33º Conecef, cuja resolução sobre o plano foi de não aceitar limite de contribuição da Caixa, a Contraf começou a dar sinais de que o plano de saúde dos empregados poderia ser usado como moeda de troca sabe-se lá de que.

Na verdade, desde aquela infeliz sinalização, a empresa só tem avançado na retirada dos nossos direitos, não apenas em relação ao Saúde Caixa, lembremos da PLR 2020, para citar um exemplo, e a cada passo atrás a luta se torna mais difícil, para comprovar o que a história sempre nos ensinou.

Renunciar à luta como meio de garantir conquistas também é um paradoxo.

Qual é a sua reação?

Animado(a)
0
Gostei
2
Apaixonado
0
Não gostei
0
Bobo(a)
0

Você pode gostar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais em:Arquivos