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A liturgia da campanha salarial virtual

Diz a Contraf – Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro que banqueiros ofereceram de reajuste salarial, para esta data-base, índice equivalente a 65% da inflação acumulada em doze meses. A Inflação, aqui, é dada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que se estima em 8,88% no acumulado de setembro de 2021 a agosto de 2022.

Academicamente, bancos têm por finalidade intermediar recursos entre aqueles com algum e aqueles sem nenhum. É fato que aos primeiros remuneram miseravelmente e aos segundos esfolam impiedosamente, como atestam os spreads auferidos na intermediação. Mas, a rigor, mesmo essa finalidade é fachada no país:  banqueiros ocupam cadeiras na autoridade monetária e no comando da economia e, impunes, valem-se de seus despachantes para regular os negócios de sua preferência, exemplificados em operações compromissadas e assemelhadas.

Um ex-dirigente de sindicato de bancários dizia nos anos 1990, argutamente, que a negociação entre banqueiros e bancários seguia certa liturgia. O ritual, a cada ano, se iniciava com propostas miseráveis dos patrões, enfrentados pelos trabalhadores em suas campanhas em movimento efetivo. Efetivo, no caso, é adjetivo que resume bancários reunidos, discutindo caminhos, protestando, paralisando atividades e, por vezes, disparando rojões contra helicópteros que transportavam fura-greves. Mesa de negociação, dizia o ex-dirigente sabiamente, deixava de ser teatro se e somente se houvesse pressão externa.

Os negociadores de agora optaram por desprezar a liturgia efetiva e promovem a liturgia virtual. Os que estão à mesa sob a coordenação da Contraf-Cut, membros de entidades patrocinadoras nos últimos anos de acordos e convenções permeadas por algum sigilo, não fazem menção a organizar a pressão externa, fingem protestos por redes sociais, posam com suas faixas na porta de agências bancárias por minutos suficientes apenas para as fotos no Instagram. Bancários são caprichosamente mantidos, por eles, distantes de outros bancários.

Se a questão dos reajustes salariais é sempre referência paras anunciadas vitórias nos boletins sindicais, vale lembrar que de setembro de 2016 a setembro de 2021 os bancários tiveram 27,7% de correção ante INPC de 26,58%. Ganho real nenhum, mero 0,8% em cinco setembros. Não é conveniente mencionar os ganhos reais dos bancos no mesmo período: a comparação seria ofensiva.

Assim, segue este ano a nova liturgia, com sua assembleia virtual, aliás, anunciada para dia 26, tendo por pauta ratificar a realização de novas assembleias virtuais.

É possível que se publique em breve que, graças à pressão das entidades, os banqueiros elevaram sua oferta para algo como nada neste ano e algum por cento qualquer em 2023, quem sabe um abono, quem sabe um tíquete-alimentação se aproximando mais e mais do piso salarial – em breve, é possível que o supere – quem sabe uma comissão paritária para pactuar, em alguns meses, o interesse patronal. Quando e se divulgados convenção e acordos coletivos, os trabalhadores saberão os detalhes escritos.

Há tempo para fazer diferente? Claro que há. Há intenção dos negociadores? A experiência dos últimos anos, enfadonhamente repetida agora, diz que não.

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