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As 130 novas unidades e o posicionamento estratégico da Caixa

No dia 20 de maio, a Caixa anunciou a abertura de mais 55 “unidades”, totalizando 130 inaugurações neste ano, sendo 76 somente nas regiões Norte e Nordeste, as regiões com menor renda per capta do País. Abrir postos de atendimento em pequenos municípios, onde mais se precisa de políticas públicas, certamente faz parte da finalidade pública da Caixa. Por esse motivo, uma análise dos movimentos estratégicos da empresa se faz necessária.

Seria contraditória a expansão da rede da Caixa com o processo de desmanche, processo esse que se materializou na recente abertura de capital, que privatizou 15% do capital da Caixa Seguridade? Seria contraditório abrir “unidades” como parte de uma política que visa à privatização, por meio da criação de subsidiárias, das áreas de cartões, gestão de patrimônio e fundos (asset), loterias e, até mesmo, toda a carteira de poupança, por meio da venda do “Banco Digital”?

A importância da presença da Caixa do ponto de vista social, do combate à fome em 2020, virou senso comum. A rede de distribuição de benefícios sociais sustentada pela Caixa mostrou seu vigor político após pagar o auxílio emergencial, responsável pela manutenção de cerca de dez (10) pontos porcentuais da aprovação do presidente da república em meio à pandemia. Então, não parece provável desmontar a estrutura de atendimento social da empresa, ao menos antes de 2022. Porém, diante da retração econômica, grandes rentistas e fundos de investimento buscam, avidamente, ativos para rentabilizar seu capital. E a pressão para que Bolsonaro entregue as estatais aumenta. Há contradição nesses dois movimentos?

Crédito agrícola

Internacionalmente, o agronegócio é o setor mais competitivo da economia brasileira. Cresceu 3% ao ano, em média, nos últimos 12 anos, de acordo com estudo do IPEA[i], mesmo que de 2015 a 2018 o crédito subsidiado tenha encolhido 60%. A alta taxa de lucro do setor permitiu que os empresários constituíssem e reforçassem cooperativas de crédito que já respondem por quatro vezes mais contratos do que a poderosa rede de bancos privados brasileira foi capaz de assinar no biênio 2019/2020.

Das 130 unidades previstas para inaugurarem neste ano, 51 serão especializadas no agronegócio. Considerando-se que o crédito da Caixa poderá chegar a municípios menores com esse perfil, essa política pode cumprir um papel progressivo.

Para além do impacto do descontrole do preço do dólar e dos combustíveis, causado pela política de Bolsonaro durante a pandemia, o preço dos alimentos pode ter subido também pelo brutal corte de subsídios, que, se não fundamental para o setor exportador, é muito importante para pequenos produtores que não têm acesso a uma cooperativa de crédito ou a garantias para obter crédito convencional.

Outro aspecto é que o governo deve buscar consolidar a popularidade de Bolsonaro, que é mais estável no interior do País e entre proprietários de unidades agropecuárias. Resta saber se o crédito da Caixa vai, realmente, chegar ao pequeno produtor, aquele que produz feijão, mandioca, hortaliças – parte da cesta que alimenta o brasileiro, e não o agroexportador e o grande negociante. Ou se os gerentes das novas unidades vão receber metas estratosféricas que só se realizem com grandes produtores, esgotando a capacidade de atendimento com segmentos sociais não prioritários em termos de políticas públicas.

Aumentam as cooperativas, bancos públicos retraem:

Biênio 2019-2020 (Bolsonaro)
Segmento Quantidade de contratos % contratos Valor total (bi) % valor
Bancos Públicos 2.884.699 76,05% 205 53,47%
Bancos Privados 178.858 4,72% 101 26,45%
Cooperativas de Crédito 724.150 19,09% 71 18,60%
Outros 5.495 0,14% 5 1,30%
Total 3.793.202 100,00% 385 100,00%
Biênio 2017-2018 (Temer)
Segmento Quantidade de contratos % contratos Valor total (bi) % valor
Bancos Públicos 3.235.389 77,11% 195 55,88%
Bancos Privados 262.157 6,25% 98 28,20%
Cooperativas de Crédito 687.111 16,38% 51 14,74%
Outros 11.001 0,26% 4 1,15%
Total 4.195.658 100,00% 349 100,00%

 

Fonte: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/micrrural

Estratégia da Caixa em linha com a Contrarreforma Administrativa (PEC 32)

Como vimos acima, atuar nas áreas que precisam de políticas públicas, com o atendimento social e o crédito agrícola, é fundamental, independentemente do uso político que pode haver. Porém, atuar onde os banqueiros e magnatas não querem investir um centavo e depois entregar para eles o que realmente é lucrativo, com as privatizações, não se sustentará, transformando as estatais de hoje em aparatos deficitários.

Se a expectativa fosse de seguir produzindo lucros bilionários e continuar tomando fatia de mercado dos bancos privados, como foi na primeira metade de 2010, a reposição de postos de trabalho teria ocorrido em sentido contrário ao que se observou de 2016 para cá. As contratações anunciadas por Pedro Guimarães, inclusive com novo concurso público, devem seguir sendo menores do que os desligamentos promovidos pelos PDVs.

A aplicação dessa política parece estar em linha com o conceito ultraliberal da “subsidiariedade”, que é o norteador da proposta de contrarreforma administrativa que começou a tramitar no Congresso Nacional, com sua liberação na CCJ. Seguindo esse princípio, o texto guia determina que o Estado deva atuar somente onde não haja nenhum interesse de empresa privada em “competir”.

O fato é que qualquer aluno de primeiro ano de Economia sabe que as estatais acabam perturbando as estruturas de oligopólio, criando limitações para o posicionamento artificial da oferta no ponto de máximo de retorno e mínimo esforço/risco. Em outras palavras, para os tubarões financeiros, as estatais aumentam a oferta de serviços, isto é, aumentam o bem-estar coletivo derrubando preços, onde a escassez artificial monopolista poderia permitir que os lucros fossem maiores, mesmo com menos gente sendo atendida. Se é assim, os grandes capitais as querem longe, por exemplo, em pequenos municípios, pelos quais não se interessam. Para quem tem acompanhado nossas colunas, fica claro que Pedro Guimarães já vem implantando essa política na Caixa.

 

[i]Carta de Conjuntura 43 – IPEA – Segundo TRIMESTRE 2019

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