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As operadoras de saúde privadas e o desprezo pelas vidas humanas no Brasil

Os recentes depoimentos de pessoas ligadas à Prevent Senior à CPI da covid 19, com destaque para o da advogada Bruna Morato, representante dos doze médicos autores do dossiê com mais de dez mil páginas contra a operadora, denunciando a distribuição do chamado “kit covid”, a política de não internação, o uso de medicamentos de eficácia não comprovada em pacientes sem o consentimento das famílias e a burla de prontuários médicos de pacientes falecidos para não constar covid 19 como causa das mortes, reaviva a discussão sobre as profundas contradições entre o sistema público de saúde e as operadoras de mercado, embora o texto constitucional preveja a participação da iniciativa privada nas ações da saúde pública, a chamada saúde suplementar.

Soma-se a denúncia surgida na imprensa, no final da semana passada, por médicos de outra empresa, esta com atuação mais concentrada no Nordeste e sede no Estado do Ceará, mas com unidades também no interior de São Paulo, a Hapvida. O relato dos profissionais indica a prática de assédio moral explícito sobre os médicos, com o objetivo de os forçar a prescrever a hidroxicloroquina e os demais medicamentos do “kit covid” a todo paciente que apresentasse sintomas da doença, mesmo sem confirmação, pois a operadora descumpria determinação do Ministério da Saúde quanto à obrigatoriedade da testagem de todos os casos suspeitos.

As pressões iam desde o controle sobre os prontuários médicos, tachando de “ofensores” (sic) os profissionais que não se submetiam a essas orientações, divulgando comunicados oficiais obrigando a utilização dos medicamentos, abordando pacientes nos corredores, quando saiam dos consultórios, para verificação e substituição de receitas consideradas fora de padrão por não conterem as substâncias e, finalmente, a ameaça direta de demissão aos resistentes. A adulteração de prontuários para não constar a covid 19 como causa mortis nos atestados de óbito, como no caso da Prevent Sênior, também faz parte da denúncia.

Após a divulgação das informações, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) passou a investigar a Hapvida, contudo, suspeita-se que outras empresas também teriam adotado a mesma prática, mas a agência não foi capaz de identificar essa situação e as muitas complicações e mortes, consequências do uso dessas drogas. Por sua vez, o senador Randolphe Rodrigues (Rede/AP), vice-presidente da CPI, declarou no Twitter que a operadora cearense também terá de ser investigada no âmbito da comissão.

Apesar de todas as limitações impostas e desinvestimentos sofridos pelo SUS em seus mais de trinta anos de existência, pela maioria dos governos, notadamente com a aprovação da “PEC da morte”, transformada na Emenda Constitucional – EC 95, no período de Temer, o papel exercido pelo SUS durante a pandemia, ao contrário do procedimento dos planos de mercado, resgata sua imagem positiva perante a população e evidencia ainda mais a incompatibilidade de existirem empresas que exploram a saúde, direito fundamental do cidadão, como mercadoria, cuja lógica é quem tem dinheiro paga e é bem atendido, quem não tem pode morrer, pois o objetivo é o lucro e não cuidar da saúde das pessoas, tampouco salvar vidas.

Chamar de “estudos” o que foi feito nas unidades dessas duas empresas, e sabe-se lá mais em quantas, com os medicamentos utilizados no suposto tratamento precoce, não passa de um grotesco eufemismo, pois a designação adequada seria “experimentos nazistas”. Nazismo, aliás, assumido pelos irmãos Eduardo e Fernando Parrillo, proprietários da Prevent Sênior, que em suas horas de lazer, manifestam sua ideologia nas letras das canções da banda de Rock “Dr. Pheabes”, da qual fazem parte. “Army of Sun”, cuja tradução do inglês é “Exército do Sol”, título e refrão de uma das músicas interpretadas pelo grupo, é uma clara referência ao “Exército do Sol Negro”, nome pelo qual eram também conhecidas as SS na Alemanha de Hitler.

Se em discurso recente, Bolsonaro, falando sobre a crise generalizada por que passa o País, afirmou “nada é tão ruim que não possa piorar”, a mesma máxima pode ser aplicada aos escândalos e crimes revelados a cada semana na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado. Embora todos torçam para que o último estágio da corrupção e da desumanidade tenha sido atingido, não se pode subestimar a capacidade de se superar na prática de atrocidades do desgoverno e de gente de alguma maneira associada a ele. Toda a investigação já realizada sobre a pandemia revela uma trama macabra, misturando negacionismo, corrupção, psicopatia, ganância e outros elementos mais, que ainda se possa agregar.

No início Bolsonaro combina negacionismo com ideologia e cria a fake news de que o vírus era invenção dos comunistas para controlar o mundo. A especulação em torno das supostas propriedades da hidroxicloroquina, foram oportunas para justificar sua posição contrária ao necessário isolamento social, cujo pretexto era a preocupação com os efeitos negativos na economia, para assim angariar dividendos políticos. Com esse propósito despeja alguns milhões de reais no laboratório do Exército multiplicando por 12 a produção regular do medicamento, gerando um estoque suficiente para atender a demanda de 18 anos em relação aos tratamentos aos quais é tradicionalmente indicado, mas cuja eficácia contra o vírus já estava definitivamente descartada por autoridades sanitárias de todo o mundo.

Laboratórios privados também produtores de hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e prednisona, os outros itens componentes do kit, ampliaram seus lucros com a divulgação das supostas propriedades dos medicamentos. Da mesma forma, profissionais inescrupulosos, em seus consultórios particulares, também foram agraciados com o aumento de suas rendas ao prescreverem as drogas milagrosas a pacientes incautos.

O acordo com a Prevent Sênior – e possivelmente com outras operadoras, como por exemplo a Hapvida – vem a calhar. Um bom negócio para ambos os lados. Da parte do governo a solução para desovar parcela do estoque produzido com recursos públicos. Para a operadora a saída ideal para evitar ao máximo as internações e seus altíssimos custos, distribuindo gratuitamente o kit e mandando pacientes em estado grave para morrerem em casa com a ilusão de que seriam curados, mantendo assim as taxas de lucro e, de lambuja, com direito a propaganda gratuita feita por ninguém menos que o próprio presidente da República, citando-a nominalmente em seus pronunciamentos como exemplo de conduta na pandemia.

Quando, em último caso, a pressão de familiares ou mesmo a gravidade da condição de saúde do paciente forçavam a internação, o uso das drogas em altas doses tinha o poder de apressar as mortes, afinal, “óbito também é alta”.

As denúncias dão conta ainda de que profissionais ligados ao plano de saúde paulista mantinham contato estreito com o gabinete paralelo do Ministério da Saúde, entre eles o médico Anthony Wong, pertencente ao quadro da operadora e um ativo propagador das falsas informações até ser, ele mesmo, vítima fatal do tratamento precoce internado em uma das dependências da empresa, sendo um dos casos de adulteração do prontuário e omissão da covid 19 na certidão de óbito.

A CPI comprovou todas as suspeitas relativas às causas que levaram o Brasil a ocupar o segundo lugar no ranking mundial da pandemia, com números beirando as 600 mil mortes, e trouxe ainda revelações adicionais como o esquema de propina na compra das vacinas dentro do Ministério da Saúde envolvendo funcionários do alto escalão e o próprio ministro Pazuello, esclarecendo o verdadeiro motivo de o governo ter recusado a oferta da Pfizer para fornecimento de 70 milhões de unidades de seu imunizante ainda no segundo semestre de 2020 e postergado contratos com outros fornecedores, além, é claro, do combate explícito à CoronaVac, em razão de sua procedência, agravado pelo contrato da empresa com o Instituto Butantan, assinado pelo adversário político, João Dória. A investigação do Senado foi também esclarecedora quanto aos motivos da crise de Manaus. Levantamento mostra que a incúria e as ações propositalmente desconexas do desgoverno foram as responsáveis por mais de 400 mil mortes.

A contribuição da Prevent Sênior e da Hapvida, as duas operadoras até o presente denunciadas, para a catástrofe brasileira, escancara o caráter sanguinário, o total desprezo pela vida e a certeza da impunidade por parte dos donos do capital no País, independentemente do setor de atuação, evidenciando ainda mais a necessidade urgente de as autoridades de saúde exigirem o cumprimento estrito do artigo 196 da Constituição Federal “SAÚDE COMO DIREITO DO CIDADÃO E DEVER DO ESTADO”, e a reversão da medidas que estimulam o crescimento do setor privado em detrimento do fortalecimento do SUS, mas, lamentavelmente, ao contrário, o Senado Federal está prestes a referendar os termos da chamada reforma administrativa – PEC 32, já aprovada na Câmara dos Deputados, que para além de todas efeitos nefastos aos serviços públicos em geral e seus consequentes prejuízos à população, terá ainda o condão de acelerar a destruição da saúde pública.

Se no Brasil desses tempos sombrios, a extrema direita, com o beneplácito da burguesia, de instituições oficiais e da imprensa, busca obcessivamente imitar os atos praticados pelos seguidores de Hitler em meados do século passado e, desgraçadamente, obtêm êxito em muitos aspectos, nos resta torcer para que ao final dessa tragédia, à semelhança do que aconteceu na Segunda Guerra Mundial, seja instituído um “tribunal especial” para julgar os responsáveis pelos infindáveis atos cometidos contra a população brasileira. Verdadeiros crimes de guerra.

 

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