Previdência e Saúde

Assédio moral no futebol: pode isso Arnaldo?

Quem acompanha o futebol, em especial o brasileiro, sabe que em 2023, ano de homenagens póstumas a Pelé, falecido no final do ano anterior, ironicamente, o Santos FC, time celebrizado por ele, teve, sem dúvida, o pior desempenho de sua história, sendo ineditamente rebaixado para a segunda divisão do campeonato nacional. Não que se pudesse alimentar a ilusão de que a taça da competição viesse a fazer parte da galeria de troféus do clube, longe disso, mas pelo menos uma performance minimamente digna, figurar entre os dez primeiros classificados, por exemplo, não seria pedir muito. Mas isso é passado.

Futebol é paixão e, como diz Nelson Rodrigues, “a mais importante entre as coisas sem importância”, exatamente por isso despertou na modesta, mas fanática torcida do time da Vila Belmiro, a ira contra os atletas cuja camisa não foram capazes de honrar.  Eventuais excessos cometidos pelas organizadas à parte, até aí, tudo normal.

A diretoria recém-eleita, compartilhando do sentimento e para consolidar sua aprovação junto à “geral”, mas também para reduzir gastos, decidiu reformular o elenco, dispensando a maioria dos jogadores, notadamente os de maiores salários e que não concordaram em reduzi-los, substituindo-os por outros com valores salariais mais adequados à nova realidade financeira, imposta pela série B do Brasileirão. Até aí também, ok.

Outra coisa, no entanto, foi o fato de na reapresentação do elenco no centro de treinamento, no último sábado (06/01), em que os jogadores relacionados entre os “não aproveitáveis” foram tratados de forma vexatória e, sem prévia orientação, barrados no portão principal, sendo redirecionados a uma entrada secundária.

A imprensa tradicional repercutiu e a maioria dos canais de vídeos na Internet, especializados no tema, tratou o caso com normalidade, destilando o sentimento de vingança, sob o argumento de que esses jogadores “faltaram com o profissionalismo”, fizeram “corpo mole”, não correspondendo aos altos salários pagos pelo clube; atribuindo o ocorrido a um simples ato de gestão, para o qual certamente tinha respaldo jurídico, não restando espaço para reclamação ou mimimi.

Evidentemente profissionais de futebol de grandes times vivem totalmente fora da realidade do mundo do trabalho, principalmente quando comparamos seus salários e condições contratuais com os dos demais mortais. Cláusulas específicas de acordo com a conveniência de cada um e multas rescisórias milionárias, fazem toda a diferença. Mas, sem entrar nesse mérito, relações de trabalho são relações de trabalho, clubes são empregadores e jogadores empregados. Estes hipossuficientes na relação, como qualquer trabalhador, em qualquer empresa, guardadas as proporções.

Ainda que para a Justiça uma ocorrência isolada seja insuficiente para o caracterizar, o nome disso é assédio moral. Por outro lado, administrar um clube de futebol é mais complexo comparativamente a gerir uma empresa, digamos, comum, pois além de tratar os negócios com competência, honestidade e transparência é necessário demonstrar com ele a mesma relação afetiva que os demais sócios e fãs, em geral.

Foto: A Tribuna

O tratamento respeitoso nas relações trabalhistas é um dos itens que não devem ser negligenciados na delimitação dos papeis de gestor e torcedor que caracterizam o dirigente. Até porque, sabe-se que a convivência harmônica entre o elenco e a diretoria é um importante elemento na obtenção de bons resultados esportivos. Já do ponto de vista administrativo, zelar pelo cumprimento das obrigações legais reduz os riscos de prejuízos.

Mas para além da questão meramente esportiva, futebolística ou jurídico empresarial, não se pode reduzir os mecanismos de proteção legal a quem presta serviço a qualquer tipo de instituição sob nenhum pretexto, pois as leis trabalhistas servem para proteger a integridade físico psicológica e a própria dignidade dos trabalhadores. A mesma legislação prevê expedientes adequados para lidar com profissionais que deixam de cumprir suas obrigações contratuais, proporcionalmente à gravidade de eventuais falhas de procedimento.

No caso concreto, por mais que se queira banalizar o fato, uma simples medida evitaria toda a polêmica. A diretoria do Santos poderia perfeitamente ter expedido comunicado formal a cada um desses atletas explicitando a situação, orientando-os a se apresentarem no local correto e até mesmo em horário diferente dos demais. Ao não agir dessa forma, deixou transparecer a intenção de usar o constrangimento como forma de punição, o que torna ainda mais condenável a atitude.

Assédio moral é uma prática abominável e por mais sutil que possa parecer produz reflexos altamente comprometedores à saúde mental do trabalhador, por essa razão seu combate deve se dar em todos os níveis. Qualquer tentativa de banalização deve ser refutada e seu âmbito jamais reduzido a aspectos meramente jurídicos.

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