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Dostoiévski 200 anos – “A compaixão é a maior e, talvez, a única razão de existência da humanidade”

Por Fabiana Matheus

Sim, sou apaixonada por literatura russa. E mais apaixonada, ainda, por este senhor que acaba de completar 200 anos – Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski.

Nascido em Moscou no dia 11 de novembro de 1821, foi, entre os grandes escritores russos da primeira metade do século XIX, aquele que não teve origem em uma família da pequena nobreza rural.

Diferente de Puchkin, Tolstói, Turguêniev, os artigos e livros dele sempre foram sua fonte de renda e sustento e essa situação sempre lhe causou sofrimento extremo.

Foi o segundo dos setes filho de pai médico, militar e autoritário e de mãe dona de casa, sensata e generosa.

Durante sua infância e juventude, morou com a família nas dependências do grande Hospital Público Mariínski. Esse fato contribuiu para que, desde cedo, convivesse com a realidade das pessoas pobres, marginalizadas e carentes.

Por escolha do pai, formou-se engenheiro pela Escola de Engenharia Militar de São Petersburgo, a qual abandonou para se dedicar à sua grande paixão: a escrita.

Nunca foi um revolucionário, mas um defensor ardoroso do fim da servidão na Rússia, fato esse ocorrido apenas em 1861.

A censura na Rússia sempre esteve presente e a literatura foi e continua sendo o alvo principal. Muitos czares eram censores diretos dos escritores e de suas obras, a exemplo do czar Nicolau I, que analisava diretamente as obras do grande poeta russo Puchkin.

Dostoiévski foi detido em 1849 por participar do Círculo de Petrachevski, sob acusação de conspirar contra o czar Nicolau I. Ele foi preso pelo crime de ter lido, em público, uma carta do crítico literário Belinski ao escritor Gógol, criticando-o por suas posições conservadoras.

Condenado à morte, já perfilado em frente ao pelotão de fuzilamento, recebeu a notícia de que a pena fora comutada em trabalhos forçados na Sibéria. Lá, passaria quatro anos no cárcere e quase dez anos servindo no exército como soldado, proibido de voltar para a Rússia Europeia.

De saúde frágil, relatos indicam que seu primeiro ataque epilético ocorreu aos nove anos, mas foi na Sibéria que o quadro se agravou, manifestando-se com força e frequência.

Se na juventude não era uma pessoa agradável em sociedade, a doença aprofundou ainda mais essa dificuldade de se relacionar.

As dificuldades financeiras e a pressão dos credores foram agravadas ainda mais pelo seu vício em jogo, adquirido na sua primeira viagem pela Europa em 1862, que o acompanharia pelo resto da vida.

As obras de Dostoiévski refletem muito suas experiências pessoais. Por isso, impossível não perceber a grande mudança nesse escritor a partir de seu retorno do exílio na Sibéria.

Sua narrativa frenética e febril consegue envolver completamente o leitor e engana-se quem acha que ele se perde nessa narrativa.

Sempre com o olhar voltado para os humilhados e ofendidos, foi escritor de poética urbana e mostra uma Petersburgo sombria, esmagadora, injusta, cruel e de moralidade duvidosa.

Dostoiévski consegue dar às suas personagens realismo tão forte que parece que elas vão se materializar na nossa frente.

Quando terminei Crime e Castigo, estava exausta. Sentia todo aquele estado febril de Raskólnikov.

Quando terminei Irmãos Karamazov, fiquei ainda mais triste por Dostoiéviski ter morrido e antes de escrever o terceiro livro.

Como não se emocionar com os relatos no Escritos da Casa Morta e não se pensar milhares de pessoas que foram e ainda são submetidas a condições desumanas?

Mas se você prefere começar com um Dostoiévski menos intenso, leia Noites Brancas, O Duplo, Gente Pobre. Romances curtos e bastante profundos.

Felizmente, hoje temos a coleção completa de suas obras traduzidas diretamente do russo para o português e isso faz uma grande diferença.

Apesar de sua aproximação com a família do czar Alexandre II, foi vigiado até o fim da vida pela polícia secreta do czar.

Morreu em 1881, em São Petersburgo.

Que essas poucas linhas abram o seu apetite por conhecer ou ler mais as obras desse escritor controverso e incrível.

Como disse Lima Barreto, “leia sempre os russos: Dostoiévski, Tolstói, Turguêniev, Gógol, Górki… mas, sobretudo, leia Dostoiévski. Em especial Escritos da Casa Morta e Crime e Castigo”.

Referências bibliográficas:

1 – Como ler os russos – Irineu Franco Perpetuo

2 – Aulas de literatura russa: de Puchkin a Gorenstein – Aurora Fornoni Bernardini

 

 

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