O dia 18 de maio é consagrado nacionalmente à luta antimanicomial, cujos debates preliminares, em diversos países do mundo, aconteceram em meados do século XX, a partir da crítica aos métodos tradicionais do tratamento dado aos doentes mentais, considerados desumanos, por incluir, além do confinamento em hospitais psiquiátricos, o uso de camisa de força, eletrochoques, insulinoterapia e lobotomia, entre outros.
A reforma psiquiátrica italiana, ocorrida entre as décadas de 1960 e 1970 e seu principal ativista, o médico Franco Basaglia, nos hospitais de Gorizia e Trieste, além de ser considerada a primeira experiência de sucesso nesse sentido em todo o mundo, transformando tanto a política, como seu líder, em referência para o movimento no Brasil, que ganha força a partir de 1978, quando o médico visitou o país.
A data se tornou marco porque no ano de 1987 ocorreram dois importantes eventos: o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, em Bauru/SP, e a I Conferência Nacional de Saúde Mental, em Brasília. Em ambos, foram discutidas e aprovadas propostas que culminaram, em 2001, na aprovação da Lei 10.216, de autoria do então deputado federal Paulo Delgado (PT/MG), que define a atual estrutura da política de saúde mental no SUS, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), e dá início ao processo de extinção dos manicômios.
No entanto, ao falar sobre esse tema, não se pode esquecer da importância e do pioneirismo, nacional e internacional, de uma personalidade, feminina e nordestina, nascida no ano de 1905, em Maceió/AL, a médica psiquiátra Nise da Silveira. A única mulher entre 150 estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia a se formar no ano de 1926, na qual ingressou com apenas 16 anos. Nise é também uma das primeiras brasileiras a exercer a profissão médica.
Nos anos 1930 ela se muda para o Rio de Janeiro, e se especializa em psiquiatria, indo trabalhar no antigo Hospício Nacional de Alienados, e desde o início de seu trabalho, desenvolveu o senso crítico à forma violenta e desumana com que os pacientes eram tratados nesse tipo de instituição, promovendo uma revolução na área, com a introdução da terapia ocupacional a partir do estímulo ao desenvolvimento artístico dos pacientes e da interação com animais.
Por ser militante comunista e filiada ao PCB, ficou presa por 18 meses entre 1936 e 1937, durante a ditadura Vargas, tendo divido a cela com Olga Benário. Outro ilustre ativista de esquerda com quem teve proximidade nesse período, foi o escritor Graciliano Ramos, que a cita no livro Memórias do Cárcere.
Como consequência da perseguição sofrida por seu envolvimento político, ficou afastada do serviço público até 1944, quando conseguiu retomar suas atividades no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, também no Rio de Janeiro. Foi lá que iniciou seu trabalho de estimular seus clientes, como os chamava, a desenvolverem seus dons nas artes plásticas como a pintura e a escultura, como forma de tratamento; e em 1946, cria, no mesmo hospital a Seção de Terapêutica Ocupacional, à qual dirigiu durante 28 anos e hoje leva seu nome.
Em 1952 criou o Museu de Imagens do Inconsciente, centro de estudos e pesquisa, com as obras produzidas pelos frequentadores dos chamados ateliês de atividades expressivas. O museu continua em funcionamento atualmente e reúne mais de 400 mil obras entre telas, papéis, modelagens, textos e poemas; e os ateliês continuam a produzir.
Foi fundadora da Casa das Palmeiras uma clínica destinada ao tratamento de egressos de instituições psiquiátricas. Era estudiosa do filósofo holandês Baruch Spinoza e sua dinâmica dos afetos, o que a influenciou na forma de conduzir seu trabalho. Foi aluna de Carl Gustav Jung, criando no Brasil o primeiro grupo de estudos sobre a obra do psiquiatra suíço.
Nise da Silveira faleceu em 1999, aos 94 anos. Seu trabalho rompeu com uma longa tradição de tratamentos cruéis e desrespeitosos aos direitos das cidadãs e cidadãos vítimas de sofrimento mental, aos quais se recusava a chamar de pacientes, em vez disso se referia a eles como clientes, mas preferia mesmo chamá-los pelos nomes. É reconhecida mundialmente por seu trabalho e é lembrada e homenageada até os dias de hoje.
Em 2022 seu nome foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, em que são homenageadas as figuras de destaque na construção histórica brasileira, por meio da Lei 9.800, proposta pela deputada federal Jandira Feghali (PC do B/RJ), a qual Jair Bolsonaro tentou impor veto, derrubado pelo Congresso Nacional.