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O Genocídio Yanomâmi do Governo Bolsonaro

Por Gledson Sousa, Escritor

Queria que o título desse artigo fosse outro, algo como “Como Os Yanomâmis Conseguiram Se Livrar do Garimpo” ou “A Sabedoria Yanomâmi”, e que falássemos da rica cultura dos yanomâmis, e não da miséria que agora os assola. Mas depois de quatro anos de desastre e crimes planejados, como foram os anos do maldito governo Bolsonaro, de repente, e mais uma vez, temos que falar em genocídio em terras brasileiras.

Durante o abandono programado dos programas de vacinação, das campanhas de esclarecimento e da constante disseminação de fake news sobre as vacinas que resultaram na morte de mais 700 mil pessoas por covid-19, algumas pessoas já haviam imputado ao governo Bolsonaro a pecha de genocida; no bojo das ações que se seguiram, incluindo aí a CPI da Covid-19, a jurista Sílvia Steiner, única jurista brasileira que fez parte do tribunal penal internacional, alertou à comissão que as ações criminosas do governo Bolsonaro não tipificavam um genocídio, mas outros crimes, como o crime contra a humanidade.

Essa distinção, no plano jurídico, é fundamental para que se possa imputar, a quem de direito, a responsabilidade pelos crimes cometidos, e o crime de genocídio, que entrou na Lei 8930 (lei dos crimes hediondos – “Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado.) possui uma tipificação própria.

A lei 2.889 de 1956, promulgada por Juscelino Kubitschek, ecoava o compromisso brasileiro assumido na Convenção para a Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio, que ocorrera em 09 de dezembro de 1948. O conceito de genocídio fora criado pelo advogado judeu-polonês Raphael Lenkim, para dar conta dos crimes cometidos pelos alemães contra judeus e outros povos durante a segunda guerra mundial.

O Conceito de Genocídio diz que:

          Por genocídio entende-se quaisquer dos atos abaixo relacionados, cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial, ou religioso, tais como[1]:

(a) Assassinato de membros do grupo;

(b) Causar danos à integridade física ou mental de membros do grupo;
(c) Impor deliberadamente ao grupo condições de vida que possam causar sua destruição física total ou parcial;

(d) Impor medidas que impeçam a reprodução física dos membros do grupo;

(e) Transferir à força crianças de um grupo para outro.

A Lei do Genocídio promulgada por Juscelino Kubitschek trazia o conteúdo definido pela Convenção para a Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio e acrescentava um rol de punições aos agentes patrocinadores:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA:

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:  (Vide Lei nº 7.960, de 1989)

  1. a) matar membros do grupo;
  2. b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
  3. c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
  4. d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
  5. e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;

Será punido:

Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a;

Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;

Com as penas do art. 270, no caso da letra c;

Com as penas do art. 125, no caso da letra d;

Com as penas do art. 148, no caso da letra e;

Art. 2º Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para prática dos crimes mencionados no artigo anterior:  (Vide Lei nº 7.960, de 1989)

Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos.

Art. 3º Incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1º:  (Vide Lei nº 7.960, de 1989)

Pena: Metade das penas ali cominadas.

  • 1º A pena pelo crime de incitação será a mesma de crime incitado, se este se consumar.
  • 2º A pena será aumentada de 1/3 (um terço), quando a incitação for cometida pela imprensa.

Art. 4º A pena será agravada de 1/3 (um terço), no caso dos arts. 1º, 2º e 3º, quando cometido o crime por governante ou funcionário público.

Art. 5º Será punida com 2/3 (dois terços) das respectivas penas a tentativa dos crimes definidos nesta lei.

Art. 6º Os crimes de que trata esta lei não serão considerados crimes políticos para efeitos de extradição.

Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário.

À luz do texto da Convenção e da Lei do Genocídio, fica claro que a distinção da Jurista Sílvia Steiner quanto aos crimes cometidos pelo governo Bolsonaro durante a pandemia de que não era genocídio estava correta, mas o mesmo não se aplica às ações do governo Bolsonaro quanto às comunidades indígenas e em particular contra om povo yanomâmi. Ou seja, contra esses, é possível dizer que o Governo Bolsonaro foi sim responsável por crime de genocídio.

No bojo das ações – ou inação – do governo Bolsonaro em relação aos yanomâmis, fica claro que houve uma intencionalidade que se enquadra no item C do parágrafo Primeiro da Lei 2889:

  1. c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;

Há provas contundentes de que o governo Bolsonaro ignorou os pedidos de socorro dos yanomâmis quanto às invasões de garimpeiros em seu território, bem como FUNAI e FUNASA ignoraram a piora das condições sanitárias (agravadas pela presença de substâncias tóxicas em suas terras, como o mercúrio nos rios) que resultaram em mais de 500 mortes de crianças durante os quatro anos do Governo Bolsonaro, sem falar que o próprio Bolsonaro incentivou a prática de garimpo na região. De acordo com o Ministério Público Federal de Roraima, havia um plano do IBAMA para erradicação do garimpo em terras yanomâmis, plano esse que foi ignorado pelo governo Bolsonaro e jamais foi executado.

Ainda sob a luz da lei 2889, temos o agravante:

Art. 3º Incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1º:  (Vide Lei nº 7.960, de 1989)

Pena: Metade das penas ali cominadas.

  • 1º A pena pelo crime de incitação será a mesma de crime incitado, se este se consumar.

(…)Art. 4º A pena será agravada de 1/3 (um terço), no caso dos arts. 1º, 2º e 3º, quando cometido o crime por governante ou funcionário público.

A expansão do garimpo nas terras yanomâmis só foi possível por conta de o governo Bolsonaro ter deixado de proteger as terras indígenas, bem como pelo contínuo incentivo, publicidade e estímulo que o governo Bolsonaro fez ao garimpo na região, a ponto de que o GSI – Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, sob a batuta do General Augusto Heleno, ter liberado o garimpo em terras a meros sete quilômetros da fronteira do território yanomâmi. Ou seja, foi um crime cometido por um governante e por agentes públicos, conforme consta na lei. Todos esses elementos, para os quais há provas documentais e textuais abundantes, são mais que suficientes para imputar a Bolsonaro o crime de genocídio, e as entidades civis e sindicais deveriam somar-se aos esforços de outros grupos e entrar com uma representação contra o mesmo, que não mais possui foro privilegiado.

Essa foi a questão do ponto de vista jurídico, uma tipificação, para que fique mais claro o crime cometido. Outra é a questão de fundo, de natureza político-econômica. Porque o que realmente pesava contra os indígenas como um todo era o viés mal-disfarçado de uma política eugenista de quinta categoria desse nazismo tupiniquim que chegou ao poder, todo esse desprezo contra os povos originários, toda essa emulação subserviente do que vem de fora, principalmente tudo o que vem dos EUA, essa mentalidade de cachorro vira- lata, como dizia Nelson Rodrigues, mas que nas mãos de alguém que chegou ao poder se traduziu em gestos de abandono de qualquer política de proteção aos indígenas, que são tutelados do Estado, conforme determina a constituição de 1988: é dever do Estado brasileiro protegê-los, e não expô-los à sanha do garimpo ou do agronegócio.

Aí entra a segunda parte das relações abusivas que o governo Bolsonaro teve com vários agentes: na lógica predatória do agronegócio, que não é pop, as fronteiras indígenas são fronteiras a serem abolidas, porque são obstáculos contra o progresso, nessa visão meio tacanha, meio século XIX, que tanto marcou a expansão do capitalismo pelo mundo, predando as economias diferenciadas, destruindo comunidades e natureza na sua escalada insana; não é à toa que o agronegócio foi um dos financiadores da tentativa frustrada de golpe. Tudo em nome do progresso.

Enfim, Bolsonaro e seus agentes associados – servidores públicos que se calaram, garimpeiros, fazendeiros e tantos outros – podem e devem ser acusados de genocídio contra os yanomamis: há elementos suficientes para criminalizá-los e não fazê-lo seria uma grave omissão. Fazemos esse chamado à FENAE, CUT e demais centrais, para que num esforço jurídico coletivo, os responsáveis paguem pelos seus crimes.

Aí talvez num breve futuro possamos comemorar não só a justiça feita como também a recuperação desse povo que vive entre a luta e o sonho, esse grande povo Yanomami.

[1]      Enciclopédia do Holocausto, consultada em: https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/what-is-genocide

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