O artigo desta semana falará sobre a estabilidade do emprego nas empresas públicas, tema candente para os trabalhadores da Caixa.
O fim da estabilidade de emprego e o conceito de “carreira típica de Estado”
Antes de entender a lei, é importante entender o “espírito da lei”, ou seja, qual a intenção por trás dela.
Para a escola econômica liberal, o trabalho é uma mercadoria como outra qualquer, assim, qualquer impedimento à sua livre circulação perturbaria “o funcionamento econômico”. Paulo Guedes é formado nessa escola ultraliberal e é seu árduo defensor. Por isso, de forma geral, defende a extinção completa de qualquer regra que restrinja a rescisão dos contratos de trabalho. Essa filosofia é o que inspira a Reforma Administrativa de Bolsonaro e Paulo Guedes.
Ocorre que, para extinguir por completo a estabilidade de emprego, Bolsonaro teria de atacar os interesses das polícias, forças armadas e das carreiras da justiça. Os primeiros são parte importante da base que tem servido para chantagear permanentemente a sociedade brasileira com a ameaça de golpe militar. Os últimos, procuradores e juízes, são aqueles que podem processar e condenar Bolsonaro pelos inúmeros crimes que já cometeu durante seu mandato.
O texto da Reforma Administrativa, que ora tramita no Congresso, resguarda a estabilidade somente desses segmentos. Para isso, utiliza-se do conceito de “carreira típica de Estado”. Não há lei que regulamente exatamente o que significa “carreira típica de Estado” e quais carreiras estariam aí incluídas. Tampouco, o texto da PEC deixa isso claro. Mas, pelo senso comum, o que seria difícil de ser substituído por empresas privadas: justiça, polícia, forças armadas, fiscais de renda e, talvez, diplomatas. Ou seja, a essência do “Estado mínimo”, termo adorado pelos liberais. Para Paulo Guedes e Bolsonaro, a saúde, a educação, o transporte, o meio ambiente, a assistência social e, claro, as empresas estatais deveriam ser excluídos das atribuições de Estado. E a PEC almeja isso.
Para os grandes capitalistas, o liberalismo é poder empregar seus recursos onde bem entender, ainda que se degrade o meio ambiente ou que cause danos à saúde de populações inteiras. Para o empregador, é a inexistência de obrigações. Em O Capital, Marx ironiza as liberdades dos burgueses (banqueiros, grandes empresários) em comparação à liberdade que teoricamente o trabalhador teria. A Reforma Trabalhista, já aprovada, e a cada dia aprofundada no Brasil, tem deixado os trabalhadores como Marx os descrevia no capitalismo do século XIX: livres como passarinhos. Inclusive, para serem abatidos ou morrerem de fome. Bolsonaro e Paulo Guedes querem o mesmo para os trabalhadores do setor público.
O fim da estabilidade de emprego
Antes da estabilidade de emprego ser criada, os cargos públicos eram, constantemente, varridos por um vendaval a cada eleição, à medida que se trocava o partido no poder. O clientelismo era, inclusive, forma de manter determinado partido ou grupo político no governo, já que os seus apadrinhados tornavam-se, automaticamente, cabos eleitorais. Por isso, a regra geral nas democracias espalhadas mundo a fora é de que haja estabilidade no serviço público. Mas, no Brasil de Bolsonaro, pode ser extinta.
O termo estabilidade consta seis vezes no corpo da PEC. Dessas, aparece quatro vezes para reafirmar que a estabilidade ocorrerá somente para as “carreiras típicas de Estado”, ainda assim, somente após conclusão do estágio probatório de, no mínimo, três anos. O texto ainda deixa espaço para que o estágio probatório seja maior do que três anos, caso regulamentado em lei específica.
A palavra estabilidade aparece em seguida para que, transitoriamente, os funcionários que já estão no serviço público continuem com seu estatuto anterior garantido – desde que já tenham concluído seu estágio probatório na data da promulgação da emenda constitucional. Com isso, Bolsonaro evita se desgastar frontalmente com os funcionários públicos da administração direta atual. Afinal, são milhões de pessoas e as eleições de 2022 podem ser definidas por eles.
Por fim, a palavra estabilidade aparecerá mais uma vez para, claramente, excluir os funcionários das estatais. Sim, os trabalhadores da Caixa estão nesse grupo. É o § 7º, do Art. 1 da PEC: “§ 7º É nula a concessão de estabilidade no emprego ou de proteção contra a despedida para empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e das subsidiárias dessas empresas e sociedades por meio de negociação, coletiva ou individual, ou de ato normativo que não seja aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada”.
A regra geral da Reforma Trabalhista, de que prevalece o negociado sobre o legislado, fica claramente afastada pela proposta, também para o caso da estabilidade de emprego. Ou seja, mesmo em categorias organizadas, como petroleiros e bancários, não se poderá incluir a estabilidade de emprego como parte do acordo coletivo.
Corrupção e abuso dos recursos da Caixa podem disparar
Em qualquer estatal, a aproximação de fornecedores e clientes apadrinhados politicamente é fonte de desconforto. Afinal, é por aí que começa a corrupção. Ao não possuir a garantia da estabilidade de emprego, os trabalhadores das estatais estarão mais frágeis diante de propostas indecentes de grandes grupos de pressão, geralmente articulados nos poderes da república.
No caso da Caixa e dos demais bancos estatais, poderá ser ainda pior. Como a distribuição de crédito é o próprio negócio do banco, a corrupção pode ser ainda mais difusa e comprometer diretamente a sobrevivência das instituições. Negar crédito é parte da atribuição de qualquer gerente de banco. Como negar crédito para um cliente apadrinhado politicamente se não houver estabilidade de emprego? Só um governo que pretende liquidar a Caixa pode incentivar uma proposta como a da PEC 32.