Economia

Quinto artigo da série sobre Dívida Pública

Auditoria, em definição acadêmica de Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da organização Auditoria Cidadão da Dívida: “ferramenta técnica aplicada para examinar registros, demonstrações financeiras e ciclos operacionais com a finalidade de determinar sua razoabilidade e adequada apresentação de valores”.  E ela acrescenta: “a relevância monetária da dívida pública e seus efeitos nos orçamentos governamentais justificam e exigem a permanente realização de auditorias”[i]

É fato: em 2020, dos R$ 3,35 trilhões em dispêndios executados pela União, o comprometido com amortização, juros e encargos da dívida foi de R$ 1,381 trilhão, 39% do total. Como mencionado em artigos anteriores desta série da agoraeparatodos, dinheiro direcionado à rolagem, às operações compromissadas remunerando regiamente o saldo de caixa de bancos e aos dealers, aquela dúzia de instituições com acesso privilegiado ao mercado primário de títulos, onde eles estabelecem taxas que lhes convêm.

Nos anos 1980, entre as palavras de ordem de movimentos organizados figuravam “fora FMI” e “Pelo Não Pagamento da Dívida Externa”. O Fundo Monetário Internacional se foi e a dívida externa, existente mas nem tão significativa, deu lugar à dívida interna crescente desde a implantação do Real, em 1994, e que soma em 2021 mais de R$ 6 trilhões. O superavit primário, fetiche observado na maior parte desses quase trinta anos, nunca impediu esse crescimento.

Auditoria

A dívida nasceu de arranjo dos anos 1990, que lhe passou contabilidade abaixo dívidas privadas, nulas, não executáveis. Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada em 2008 fechou os olhos e, em termos práticos, foi inútil. CPI da dívida que não concluiu por, ao menos, auditá-la.

Auditar não é calotear. Fattorelli integrou Comissão para a Auditoria Integral do Crédito Público do Equador (CAIC), criada em julho de 2007 por Rafael Correa, então presidente daquela nação. Correa bancou o trabalho, do qual resultou a redução de 70% do montante da dívida, permitindo negociá-la em novas bases com os credores.

Experiência semelhante, mas com encaminhamento distinto, observou-se na Grécia: naquele país, um dos mais atingidos pela crise financeira de 2008, a dívida foi recomposta em 2010 sob a coordenação da Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). E, para garantir aos bancos sua rolagem, aos gregos foi imposto pacote de austeridade fiscal, o que é um pouco mais do mesmo: reforma da previdência, privatizações, reforma administrativa, cortes de gastos e por aí vai.

Em 2015, Fattorelli foi convidada pelo Parlamento Grego para integrar grupo com a tarefa da analisar a dívida então constituída. O arranjo do sistema dívida, semelhante ao imposto à América Latina nos anos 1980, foi revelado. Mas o governo grego, diferentemente do equatoriano, preferiu não encarar os credores, embora contasse com aval dos cidadãos daquele país.

Sem alternativa

A dívida, no montante de fato for exigível, deve ser quitada. Mas para se conhecer o que é exigível, deve-se auditá-la. Nenhum governo eleito desde 1995 tocou no tema. Nenhum governo mexeu com bancos e investidores institucionais, fundos de pensão incluídos. Quem sabe algum dos candidatos presidenciais em 2022 proponha-se a fazer o que tem que ser feito.

[i] Fattorelli, Maria Lúcia; Auditoria Cidadão da Dívida Pública – experiências e métodos; Brasília, Inove Editora, 2013

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